“As imensas máquinas partidárias conseguiram sobrepujar a voz dos cidadãos em todo lugar, mesmo em países onde a liberdade de discurso e de associação ainda está intacta.” ( Hannah Arendt)
2015 foi um ano promissor para a Política e péssimo para o mercado eleitoral.
Cada dia do ano que se vai virou um pouco do avesso um sistema acostumado a cuidar das suas coisas, seguro de que do lado de fora os eleitores estão ocupados em comparar preços e traçar estratégias para alcançar o estado da arte do consumo.
Com cada um na sua, o mercado eleitoral se expande, criando novas necessidades, recrutando novos empreendedores e investidores nas instituições da República, enquanto nos mercados tradicionais os consumidores garantem uma taxa robusta de crescimento da economia nacional. Até 2015 as coisas funcionavam um pouco assim: eleitores votaram em políticos por votar, no intervalo das compras; e políticos fizeram um discurso qualquer, no tempo que restava entre um interesse e outro.
Filosoficamente é como se o mercado eleitoral preservasse no sistema político a máxima “querer é poder”, enquanto aos consumidores restasse apenas o “podemos”. O tamanho do prejuízo causado à democracia e à cidadania pode ser medido pelo fato de que mesmo depois do tsunami que foram as Jornadas de 2013, os eleitores mantiveram o sistema e seus representantes intactos.
Mas eis que veio 2015. Bendito 2015. A crise que devasta a hipocrisia – esse animus da sociedade brasileira e do seu Estado colonial – deixou nua a aparência com a qual nos acostumamos a conviver.
Nunca antes na nossa história a corrupção havia sido eleita a principal preocupação dos brasileiros. 2015 a colocou no topo, porque os consumidores/eleitores descobriram que a corrupção ataca em cheio a qualidade de vida material de todos. Com os assaltos praticados contra o Estado e suas empresas e finalmente enquadrados pelas instituições, ficou impossível fazer de conta que não vemos a associação criminosa – fundadora da nossa sociedade e do nosso Estado – entre empresários de alto gabarito, políticos de “alto coturno”, colaboradores recrutados nas comunidades, grandes máquinas partidárias e qualquer um que queira “enricar” do dia para a noite.
2015 foi maravilhoso para a Política. Em 365 dias foi possível enxergar com nitidez que o que se passou em 2013 foi a expressão da impotência frente à hipocrisia que, sabemos desde Hannah Arendt, é a causa mais provável da transformação de “engagés” em “enragés”. Infelizmente, talvez, desmascarar a hipocrisia pode produzir a violência, jamais o poder, cuja marca é a associação entre pessoas com objetivos claramente comuns ( a ação política ).
2015 foi maravilhoso para a Política. Compreender que partidos, eleições e representação são apenas formas que inventamos para organizar institucionalmente a representação dos interesses, não é tarefa fácil. Pergunte ao seu amigo do lado o que é a Política e não se surpreenda com as respostas.
Política é a capacidade que temos – e que aparece quando estamos juntos – de consensuar causas e objetivos comuns e atuarmos para sua realização. Política é, essencialmente, ação, tão bem definida pelos antigos como iniciar e mover coisas novas. Ocorre, que ocupados pelo sentido moderno de viver, que é o consumo, deixamos de ocupar o espaço público e, assim, não temos mais a oportunidade dada pelo aparecimento de conviver, conversar e firmar acordos mútuos.
Na esfera pública as consequências são devastadoras, pois temos cada vez mais administradores e menos governantes – políticos – e nossas sociedades hiper complexas passam a ser a terra da responsabilidade de ninguém, já que é a burocracia quem dá as cartas.
2016 será o ano da Política? Suspeito que ainda não. Talvez o novo ano repita muito de 2013. Repúdio à Política confundida com o sistema representativo e seu mercado eleitoral; militância selfie ao gosto hedonístico de nossa época; repúdio à ideia de liderança pelo deserto de líderes na sociedade; estética blade runner sem o conflito existencial Replicante; miséria de propostas por falta de imaginação; passeatas e distúrbios de indivíduos, mas preocupados com as imagens projetadas nas mídias do que em instituir elementos novos na democracia e refundar o sistema representativo. Foi essa militância líquida – ah, Bauman – que se jogou contra os políticos e o mercado eleitoral em 2013 e se esvaiu pelos bueiros do Brasil.
Agora que sabemos o que é Política, resta saber se os novos atores da sociedade estão dispostos a iniciar, mover e instituir a Política no espaço público. Porque, como diria Lênin, as condições objetivas estão dadas, sabemos mais do que antes, temos vigor e força. Falta compreendermos a necessária construção associativa da autoridade e do poder – e aqui deixamos Lênin por Hannah Arendt e Richard Sennett. E isso só faremos juntos.
Feliz 2016 Porque o 2015 foi maravilhoso.