No último artigo da coluna “URBANIDADES” – “Quando Porto Alegre se torna uma cidade invisível”, – publicadas em 09 de junho de 2015, mencionou-se o trabalho literário “As Cidades Invisíveis”, do escritor italiano Ítalo Calvino. Nesta publicação são estabelecidas metáforas entre cidades reais, com alegorias de cidades fantásticas. Especificamente foi citado o conto número 5, “As cidades e a memória”, onde Calvino descreve a cidade de “Maurília”. Utilizando uma linguagem simbólica, “Maurília” foi comparada com Porto Alegre, por intermédio da referência ao projeto de “Revitalização do Cais Mauá/Porto de Porto Alegre” – ver: http://meubairropoa.com/category/portoalegrando/urbanidade.
Embora o artigo tenha recebido muitos elogios, também recebeu críticas. Estas foram feitas no sentido de que “somos provincianos”, que “não queremos modernidade”, de que “somos atrasados e retrógrados”. Ao se falar na revitalização do Cais Mauá, vários exemplos de outras cidades são mencionados, como Cleveland, Toronto, Nova York ou Buenos Aires, que também revitalizaram seus portos. Entretanto, nestes casos foram utilizadas as estruturas físicas portuárias existentes, transformando-as em espaços públicos (e privados também), com diversos atrativos como bares, restaurantes, lojas e equipamentos culturais, não com grandes prédios de concreto de 15 ou mais andares, privatizando o espaço e alterando a paisagem cultural e ambiental da cidade. Precisa-se acabar com o paradigma, advindo principalmente da 3ª Revolução Industrial, do final do século XIX e começo do século XX, de que modernidade são edifícios altos e áreas densamente urbanizadas. Esta mentalidade, que já tem mais de um século, gerou prejuízos e problemas urbanos de ordem estética, salubre, paisagística, ambiental, de mobilidade, entre outras.
Quem visita Paris, Barcelona, Roma, Praga, Berlim, Londres e outras capitais europeias, sabe que a morfologia destas cidades é homogênea, predominado prédios de alturas médias e baixas. Nestas cidades, as edificações com maior índice de altura e densidade, são reservadas às zonas especiais, geralmente respeitando a vizinhança, (entorno urbano) e a sua paisagem histórica, ambiental e cultural. Os grandes projetos de revitalização nestas cidades, mesmo que em edificações exatas e precisas, sempre levam em conta o ambiente urbano nas quais estão inseridas. No caso do projeto proposto para a “revitalização” do Cais Mauá, não dialoga com a estrutura comercial já existente no centro histórico, ou seja, é pensado de forma isolado e não integrado. Esta é uma das premissas da crítica que o IAB/RS – Instituto dos Arquitetos do Brasil, departamento do RS – realiza em relação à construção de um “shopping center” e de torres comerciais, que estão previstas no projeto. O que se percebe, é um interesse imediato em se implantar um Projeto de Governo, do que, um Projeto de Estado. Esta conclusão parte do pressuposto de que, ao não se pensar em um projeto urbano integrando com toda a cidade, não se está realizando um Planejamento Urbano, que pense a cidade para o futuro.
Falar em modernidade, apenas do ponto de vista estético e formal, isto sim, é uma mentalidade antiga, atrasada e até mesmo retrógrada, pois hoje precisamos de cidades, salubres, com qualidade ambiental e de vida, democráticas, inclusivas, ecologicamente corretas, seguras, com diversidade cultural e com trânsito e mobilidade sustentável e com acessibilidade universal. Precisamos vencer o antigo senso comum de que modernidade são prédios altos. O paradigma atual da cidade moderna é o do desenvolvimento sustentável, uma cidade para todos e inclusiva. A antítese desta cidade pode ser feita na descrição que Ítalo Calvino faz em “As Cidades Invisíveis”, da cidade de Leônia, uma cidade antropofágica que se autodevora:
“A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém-tirados da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas geladeiras latas ainda intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio”.
“Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos da Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes, e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas”.
“Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quanto mais Leônia se supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. E uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas”.
“O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua única forma definitiva: a do lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros”.
“A imundície de Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lado de lá de sua cumeeira, por depósitos de lixo de outras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. Talvez o mundo inteiro, além dos confins de Leônia, seja recoberto por crateras de imundície, cada uma com uma metrópole no centro em ininterrupta erupção. Os confins entre cidades desconhecidas e inimigas são bastiões infectados em que os detritos de uma e de outra escoram-se reciprocamente, superam-se, misturam-se”.
“Quanto mais cresce em altura, maior é a ameaça de desmoronamento: basta que um vasilhame, um pneu velho, um garrafão de vinho se precipitem do lado de Leônia e uma avalanche de sapatos desemparelhados, calendários de anos decorridos e flores secas afunda a cidade no passado que em vão tentava repelir, misturado com o das cidades limítrofes, finalmente eliminada — um Cataclismo irá aplainar a sórdida cadeia montanhosa, cancelar qualquer vestígio da metrópole sempre vestida de novo. Já nas cidades vizinhas, estão prontos os rolos compressores para aplainar o solo, estender-se no novo território, alargar-se, afastar os novos depósitos de lixo”.
Texto lixo!
…e’ por isso que essa cidade nao vai pra frente.
Cambada de ecoxiita-metido-a-intelectual.
Pensei e refleti se devia ou não responder a esta provocação. Mas a minha resposta ao comentário, (que em nada contribui ao debate), está no texto, Por isto, que este comentário está dentro do que escrevi: “Falar em modernidade, apenas do ponto de vista estético e formal, isto sim, é uma mentalidade antiga, atrasada e até mesmo retrógrada, pois hoje precisamos de cidades, salubres, com qualidade ambiental e de vida, democráticas, inclusivas, ecologicamente corretas, seguras, com diversidade cultural e com trânsito e mobilidade sustentável e com acessibilidade universal. Precisamos vencer o antigo senso comum de que modernidade são prédios altos. O paradigma atual da cidade moderna é o do desenvolvimento sustentável, uma cidade para todos e inclusiva”.