Na última semana tive altos, bem altos, e baixos, bem baixos. Por um lado, pouco depois de ter escrito a última coluna, recebi o mencionado e sonhado DS1920 da New York University que tenho que preencher e enviar de volta. Ou seja, mais uma etapa difícil e burocrática está sendo superada nessa caminhada de pouco menos de seis meses que ainda falta para a minha ida para NY. Por outro lado, uma tia minha, irmã mais velha da minha mãe, que estava internada em estado gravíssimo devido a um câncer generalizado, faleceu na madrugada do último sábado para domingo.
Fiquei profundamente triste e chocado com a perda, apesar de que desde que havia sido diagnosticado o câncer (há quatro meses) todos sabiam que era um quadro irreversível. Mas minha tristeza maior foi por perder uma pessoa que considero minha segunda mãe, pois, além de me ajudar, também me ensinou muito ao longo dos meus 31 anos. Enquanto de um lado a casa dela sempre foi o meu segundo lar (morei lá durante anos no período em que estava na graduação), de outro eu ficava embasbacado com a biblioteca particular dela, que contava com todos os clássicos possíveis e imagináveis, de Balzac a Kant, passando por Nabokov, Erico Verissimo, Machado de Assis, Gabriel Garcia Marquez, etc.
Aliás, foi justamente lendo o “Viver para contar”, do Garcia Marquez, que encontrei uma citação que vale tanto para mim, que estou vivendo essa perda, quanto para todos os gaúchos, em especial, o povo de Santa Maria. Em suas memórias, Garcia Marquez conta vários casos de massacres ocorridos devido a uma verdadeira guerra civil que a Colômbia viveu nos anos 1940 e 1950 (período em que o escritor estava na casa dos 20 anos) e que resultou em milhares de mortos, de todos os tipos, idades, famílias, etc. Em uma das cidades onde a polícia matou centenas (talvez milhares) de pessoas, Garcia Marquez conta que todos os moradores entraram em um luto e depressão praticamente irreversível: não havia mais festas, músicos não tocavam mais, ninguém tinha ânimo para escrever, cantar, pular, beber, respirar, enfim, viver. Estão todos indo cada vez mais para o fundo do poço, até que se chega na seguinte situação, descrita na página 403:
“Diante da nossa insistência, os vizinhos vieram dar explicações, mas no fundo de suas almas sentiam que o luto não poderia continuar durando. ‘É como a gente morrer junto com os mortos’, disse uma mulher com uma rosa vermelha na orelha. As pessoas apoiaram a mulher. Então Pablo López deve ter sentido que estava autorizado a torcer o pescoço de sua dor, pois sem dizer uma palavra entrou na casa e saiu com a sanfona. Cantou como nunca, e enquanto ele cantava outros músicos começaram a chegar. Alguém abriu o bar que fica em frente e ofereceu bebidas por sua conta. Os outros abriram de par em par depois de um mês de luto, e cantamos. Meia hora mais tarde o povoado inteiro cantava. Na praça deserta apareceu o primeiro bêbado depois de um mês, e começou a cantar a todo o vapor uma canção de Escalona, que aliás dedicou ao próprio Escalona, em homenagem ao seu milagre de te ressuscitado o povo”.
Sei que a dor da perda é inevitável, mas já que continuamos respirando, temos que tentar seguir em frente. Depois de ler essa citação, eu, que estava desanimado e sem ânimo pra nada, voltei a sonhar com as ruas, os bares, os cafés, os parques e tudo o mais que torna NY uma das cidades mais encantadoras e sonhadas. Afinal, um dia vai chegar a minha vez (pode ser daqui alguns minutos ou daqui a décadas), mas antes disso, se assim me for permitido, quero conhecer a capital do mundo.
Hasta!