O esporte brasileiro nunca esteve tão exposto na mídia em todo mundo. Com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Brasil se colocou no centro das discussões no mundo. Mas, apesar dos grandes investimentos em estrutura, e dos esforços para a realização dos eventos, há muita discussão sobre os avanços que o Brasil teve nessa área nos últimos anos. Não faltou dinheiro, mas em alguns momentos a falta de organização preocupou quanto ao prazo da Fifa para a Copa do Mundo e já começa a preocupar para as Olimpíadas.
Fomos falar com uma das maiores campeãs do esporte brasileiro sobre o assunto. Ana Moser, multicampeã com a seleção brasileira, hoje trabalha pelo desenvolvimento do esporte nacional através da Atletas Pelo Brasil, uma organização sem fins lucrativos que luta pelo desenvolvimento do esporte no país.
Meu Bairro – O que falta prioritariamente ao esporte brasileiro para que ele obtenha melhores resultados?
Ana Moser – O esporte no Brasil é para poucos, de classe social mais alta e localizado nos grandes centros do sul e sudeste, com raras exceções. É a grande diferença do esporte que existe nos países mais desenvolvidos, na Europa oriental, Ásia, até mesmo na China. Há mais equipamentos nas escolas, instalações comunitárias e também para o esporte de rendimento. Países investem mais ou menos no esporte profissional, em muitos lugares são projetos patrocinados pela iniciativa privada e empresas estatais, enquanto o governo atua mais no esporte voltado para as pessoas comuns. Então, independente de como os países desenvolvidos tratam seu esporte profissional, há mais oferta de atividades físicas e esporte para toda a população, ou próximo disso. Mais gente praticando esporte, maior o número potencial de atletas de ponta.
No Brasil ainda temos muito em termos de desenvolvimento para conquistar. Se afastar um pouco dos grandes centros não há oferta suficiente de atividades para nossas crianças e jovens, faltam professores, espaços esportivos, campeonatos amadores, de categorias de base, etc. Então temos um desafio e infraestrutura e também de cultura, uma vez que o esporte não é visto como prioridade nas políticas públicas muito porque é pouco praticado. Gostamos de assistir na televisão, mas praticamos pouco.
Bom, esta é a base olhando de uma maneira mais ampla, não só para o voleibol que conheço melhor. No caso do voleibol, há no Brasil uma estrutura voltada para a formação e desenvolvimento das seleções brasileiras, baseada em alguns poucos clubes que fazem peneiras das quais participam jovens de todo o Brasil e “descobrem” os talentos que passam pelas seleções de base e alimentam a seleção principal. Desde a década de 80 o voleibol passou a ter resultados internacionais, desenvolveu sua forma de jogar e tem um excelente histórico há décadas.
Resumindo, temos partes de muita qualidade e a maior parte do esporte ainda sem estrutura, logo numa escala muito menor do que nosso potencial. Mesmo no caso do vôlei, no longo prazo, deverá sofrer para conseguir manter a qualidade de geração para geração, coisa que os técnicos das duas seleções principais tem declarado nos e últimos anos. E se tratando do âmbito olímpico, não há potencia esportiva que não tenha um grande número de pessoas inseridas sistematicamente na prática esportiva, além de planos estratégicos e políticas públicas que sustentem uma estrutura de funcionamento continuado, não há milagre.
MB – Se você estivesse hoje à frente do Ministério dos Esportes, ou trabalhasse na pasta, quais seriam as três primeiras ações que você indicaria à Presidenta para melhorar a estrutura do esporte brasileiro?
AM – Estas questões fazem parte do posicionamento do Atletas pelo Brasil e temos apresentado na forma de documentos e cartas abertas para o governo federal há quase cinco anos.
– Uma instância interministerial com participação da sociedade, envolvendo esporte, educação, saúde e outras, para construir um conjunto de estratégias que se transformem em ações com o objetivo de garantir: 5 horas de atividade física/esportiva por semana (indicador OMS) para todos os alunos das escolas públicas e ampliar a taxa de prática pela população em geral. Seria um grande programa nacional, envolvendo todas as instituições públicas e da sociedade em torno de um objetivo nacional, a exemplo do que outros países – Canadá, Inglaterra, Austrália, Alemanha, etc.
– Construir as bases legais e adequar as responsabilidades dos entes federativos e demais instituições de esporte dentro de um Sistema Nacional de Esporte. Este é um debate de décadas, com um enorme acumulado em termos de Conferências Nacionais e inúmeros documentos, além de todos os exemplos internacionais que existem atualmente. O que falta é vontade política para efetivar este debate em resoluções. Já a oportunidade que o Brasil tem nesta década em que recebe os dois maiores eventos esportivos do mundo ainda não foi aproveitada. Este seria talvez o maior legado que os grandes eventos poderia deixar para o Brasil.
– Tornar a gestão do esporte de rendimento mais democrática, eficiente e transparente, sendo as federações, confederações, COB e CPB e clubes esportivos os principais atores. Esta dimensão do esporte concentra quase a totalidade do recurso destinado ao esporte atualmente e pode contribuir muito mais para o desenvolvimento do esporte em todo o Brasil.
MB – Qual a sua opinião com relação à escolha do novo Ministro dos Esportes?
AM – Ficamos muito incomodados com a escolha de uma pessoa totalmente alheia ao esporte, divulgamos um manifesto e pleiteamos uma audiência com o novo Ministro para apresentar nossa instituição e nossas propostas. O momento é naturalmente de diálogo, conseguimos que ele se comprometesse com as propostas que citei acima e agora continuamos a lutar para que os compromissos se realizem. Mas é sempre muito custoso para o esporte essas mudanças, especialmente porque não há uma base de estrutura que sustente alguma iniciativa por um prazo mais longo.
MB – O Brasil está em um período de crescimento econômico. Esse crescimento também é aparente na estrutura do esporte brasileiro? Estamos melhores do que há dez anos atrás?
AM – As melhoras foram muitas, mas ainda abaixo da demanda do Brasil que é enorme, além de quase todo o investimento tem sido no alto rendimento, treinamento de equipes olímpicas, centros de treinamento, equipamentos, técnicos e tal. No esporte para todos houve programas pequenos para o tamanho do Brasil e uma parceria com a educação que precisa ser incrementada para também poder fazer frente à demanda. Outro grande investimento foi feito para os estádios da Copa do Mundo e agora os equipamentos olímpicos. Pouco disso fica como legado para sustentar o esporte depois de 2016.