Enquanto o mundo direciona toda a atenção à cruzada bélica a ser iniciada, talvez num futuro próximo (?), pelo império norte-americano em pleno Século XXI, contra a Síria, por motivos alegadamente humanitários (?), acontecimentos de grande importância, que ocorrem do outro lado do Pacífico, “fogem” à percepção da comunidade internacional.
No dia 11 de março de 2011, um evento natural de proporções catastróficas (terremoto de magnitude 9.0, que ocasionou a formação de tsunami) atingiu a costa do Japão, causando danos inimagináveis. Dentre estes danos, podemos citar o acidente nuclear da Central de Fukushima I. O evento natural danificou as estruturas da referida Central Nuclear, causando falhas nos equipamentos de contenção da radiação.
Em razão das falhas dos equipamentos, os reatores começaram a superaquecer, razão pela qual a TEPCO (Tokyo Electric Power Company), responsável pela manutenção dos reatores, utiliza grande quantidade de água para refrigerar os reatores de água fervente da usina. A água utilizada para a refrigeração é armazenada em tanques, onde passa por um processo de purificação, em razão do contato com a radiação. Estima-se a produção de 400 toneladas de água radioativa por dia.
Em agosto deste ano, ao contrário das informações prestadas pelos técnicos da TEPCO (de que o incidente já estava plenamente contido), descobriu-se que as águas radioativas estão escoando para o Oceano Pacífico. O governo do Japão acredita que a fuga das águas radioativas pode estar ocorrendo há mais de dois anos. Estima-se que são lançadas de 300 a 450 toneladas de água radioativa por dia no Oceano Pacífico (um nível de exposição que é 20 a 30 vezes maior que o causado pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki).
A situação é tão problemática que se acredita que a radiação liberada pela Central Nuclear de Fukushima já supera a quantidade total de radiação liberada pelo acidente nuclear de Chernobyl. Ou seja, talvez estejamos, aqui, diante do mais grave acidente nuclear da historia mundial, principalmente pelo fato de que toda esta situação ainda pode ficar pior. Isso porque os vazamentos de água radioativa não foram contidos e é extremamente provável que novas explosões aconteçam, liberando maior quantidade de material radioativo no ambiente.
Além disso, o principal problema referente à radiação é que ela alastra-se pelas águas oceânicas, atingindo costas do outro lado do Pacífico, causando danos e prejuízos incalculáveis. Por exemplo: (a) em 2012, constatou-se que focas e ursos polares apresentavam algumas enfermidades “externas”, tais como perda de pêlo e feridas cutâneas abertas, cuja causa poderia ser atribuída à exposição pela radiação lançada por Fukushima; (b) acredita-se que a radiação de Fukushima esteja causando uma epidemia de morte por inanição nos leões marinhos na Califórnia; (c) acredita-se que pelo menos 30% a mais de recém-nascidos da costa oeste dos Estados Unidos poderão enfrentar problemas na tireóide, em razão do desastre nuclear de Fukushima.
Em maio de 2013, pesquisadores da Agência japonesa de ciência marinha e tecnologia anunciaram ter detectado, no início de 2012, Césio radioativo de Fukushima I no plâncton coletado em 10 pontos diferentes do Pacífico. O plâncton, por ser a base da cadeia alimentar, mover-se-á rapidamente ao topo desta, em regime de acumulação. A ingestão dos peixes e demais animais marinhos, em razão do regime de acumulação, poderia ser catastrófico para a saúde humana.
Mesmo diante das evidências e do potencial catastrófico da fuga das águas radioativas de Fukushima, a comunidade internacional parece não dar importância para este fato, talvez por se acreditar ser um problema isolado, cujas conseqüências não serão sentidas em outras partes do mundo. Entretanto, em se tratando de radiação, cujo alastramento é potencializado pela contaminação das águas oceânicas e, conseqüentemente, dos animais marinhos que fazem parte de nossa dieta alimentar, faz todo o sentido chamar a atenção da comunidade internacional para (tentar) resolver este problema, antes que todo o meio marinho se torne irreversivelmente contaminado pela poluição radioativa.
Infelizmente, trata-se de um evento que já ultrapassou, há tempos, as fronteiras nacionais do Estado japonês, inclusive a capacidade técnica deste, de modo que as nações mais desenvolvidas, do ponto de vista tecnológico, deveriam concentrar seus esforços em encontrar uma solução para este problema. De fato, a ausência de interesse da comunidade internacional sobre a referida questão evidencia a falha na gestão dos riscos e mitigação dos efeitos das catástrofes naturais. Diga-se mais ainda: trata-se evidentemente de uma situação na qual os efeitos ocasionados pela catástrofe natural atingiram proporções incontroláveis em razão da omissão humana na contenção de tais efeitos, seja por parte do Estado do Japão, seja por parte da comunidade internacional.
Enquanto o mundo assiste à teatral encenação dos Estados Unidos em declarar guerra contra a Síria (não estou dizendo, aqui, que eventual intervenção neste país não seja necessária. Estou, apenas, questionando o real motivo de tal intervenção, pois se o propósito realmente é humanitário, então por que a crise regional humanitária, representada pelos 100 mil mortos, destruição da infra-estrutura do país e êxodo de mais de dois milhões de sírios para os países vizinhos, não foi aventada como motivo “humanitário” hábil a se declarar a guerra, muito antes da utilização das supostas armas químicas?) escapa à comunidade internacional a notícia de que a TEPCO mentiu este tempo todo sobre o sucesso da contenção da radiação da Central Nuclear de Fukushima. Neste meio tempo, as águas oceânicas do Pacífico são gradativamente contaminadas e nenhuma atitude efetiva para conter os danos é tomada. Talvez, quando (ou se?) os Estados Unidos vencerem mais esta guerra, seja tarde demais para reverter os danos causados ao ambiente marinho do Pacífico. De qualquer forma, isto não parece ser um problema, afinal, com tanta água no planeta, para que se preocupar com a saúde ecológica de um Oceano?