Ela me contava a história dela em pedaços salpicados de exclusões e lapsos de tempo e a experiência da maioria dos psicoterapeutas nos diz que o que não é dito é muito mais importante do que é dito. Bem entendido que o que é dito é importante, mas as lacunas no nosso processo de conscientização são ricas em significados. Esse processo se dá de forma não consciente. Mas hoje vou falar das lacunas que criamos em nossa história de forma consciente. As mentiras sobre nós mesmos!
Por alguma razão, ela desfiava sua história profissional, relatando seus empregos nas mais diversas empresas e fundações, como eventos de alta performance e que a uma certa medida, por razões não suficientemente fortes, ela pedia a demissão. Aparentemente, ela relatava bons momentos que, abruptamente, terminavam, e ela, simplesmente, ia embora. Se fossem trabalhos temporários, a história teria certa coerência, mas, na verdade, esse processo todo parecia estranho, ela se colocava sempre como juíza da empresa, dos superiores e da própria função, e em certo momento a sentença era desferida, aquele lugar não a merecia.
Por experiência, era óbvio que ela estava conscientemente mentindo, já que as probabilidades de nunca ter sido demitida ou “rejeitada” eram muito pequenas, ela estava imbuída de algo muito na moda hoje em dia que é de viver de aparências. Todos têm que aparentar sucesso, transcendência espiritual e independência. Em resumo, todos precisam ansiosamente de reconhecimento e aplausos e segurança em detrimento do afeto e da espontaneidade. O aparentar substitui o ter que, por sua vez, substituir o ser.
Quando é preciso viver da aparência pelo desejo de ser aplaudido, amado, o que se perde exatamente é a possibilidade do amor, que eu não saberia definir exatamente o que é, e talvez nem tenha que ser definido, mas o amor é, no mínimo, uma sensação plena de intimidade, e no mundo das aparências não há espaço para a intimidade, que por si só precisa do choro, da insegurança e da solidão.
As mentiras “conscientes” dela estão ambientadas nessa atmosfera das aparências do sucesso, mas quando ela começou a falar dos seus relacionamentos, eles pareciam seguir a mesma trajetória, ela começava os apaixonada e qualquer contratempo, do menor que fosse, era a senha de “cair fora”, tinha se tornado juíza de todos os seus relacionamentos, assim conseguia se proteger da intimidade que o amor exige, mas parecia não perceber isso, diferente da vida profissional, falava magoada de episódios que ela viveu, ela não percebia que a mentira consciente da sua vida profissional era a “mentira” inconsciente da sua vida amorosa.
Sua vida profissional é coerente com o momento histórico da sociedade do espetáculo em que vivemos, mas sua vida emocional esta é ancorada na sua história familiar que, por sinal, é longa e por razões óbvias este não seria o espaço para relatá-la, mas posso dizer que ela, desde criança, sonhava com o divórcio de seus pais e os julgava fortemente por nunca o terem feito. Passou a vida, seus quase sessenta anos, fazendo aquilo que esperava que seus pais fizessem: despedindo-se…