Quais características tornam um livro perigoso? Que ideias podem ser tão ameaçadoras a ponto de justificar que um governo ordene a destruição de um livro?
Em outubro de 1951, um professor da cidadede Luxemburgo, J. P. Hamilius, solicitou a Editora de Gustav Fischer uma cópia do livro Liberalismus,do economista austríaco Ludwig vonMises. A Editora de Fischer ficava em Jena, uma região de ocupação russa na Alemanha pós guerra. A resposta veio em menos de um mês.
Em 14 de Novembro de 1951, a editora de Fischer retornou a carta informando que não haviam mais cópias disponíveis do livro, pois: “Die VorratedieserSchriftmusstenaufAnordnungbehordlicherStellenrestlosmakuliertwerden”, ou, “Por ordem das autoridades, todas as cópias deste livro tiveram de ser destruídas.”
Que ideias esse economista e filósofo que nasceu em 1881 em Lviv, na Ucrânia quando esta era ainda parte do Império Austro-Húngaro e morreu em Nova York em 73, tinha de tão ameaçadoras?
Mises presenciou as duas grandes guerras e vivenciou as profundas transformações do mundo entre o final do século XIX e quase até a chegada do século XXI. Por ter vivas as memórias de uma sociedade pré-capitalista, Mises foi capaz de compreender a real dinâmica das sociedades capitalistas. Em Liberalismo, de 1927 ele escreveu:
“Todas as grandes indústrias que produzem bens de consumo trabalham diretamente para o benefício dessas massas; todas as indústrias que produzem máquinas e produtos semi-acabados atuam em favor dessas massas indiretamente. O grande desenvolvimento industrial das últimas décadas, tal como o ocorrido no século XVIII e que é denominado pelo termo sob todos os títulos nada feliz de “revolução industrial”, resultou, acima de tudo, na melhor satisfação das necessidades das massas. O desenvolvimento da indústria do vestuário, a mecanização da produção de calçados e a melhoria do processamento e distribuição de alimentos têm, por sua própria natureza, beneficiado um público mais amplo. É graças a essas indústrias que as massas, hoje, são muito mais bem vestidas e alimentadas do que o foram antes.
No entanto,a produção em massa não provê apenas alimentos, abrigo e vestuário, mas também outras necessidades das multidões. A imprensa serve às massas, da mesma forma que a indústria do cinema. Até mesmo o teatro e outras cidadelas das artes estão se tornando, dia a dia e cada vez mais, locais de diversão em massa.”
Marx produziu uma interpretação caricata da realidade, escrevendo um “mimimi” que transformava o empresário capitalista em um Bicho Papão e os trabalhadores em fantoches sem vontade própria subjugados pelos malvados capitalistas.
Ironicamente, Engels, patrocinador de Marx, era filho de um inovador e bem sucedido empresário da indústria têxtil, foi então, o dinheiro do filho ‘playboy’ de um capitalista que sustentou Marx, sem ele nunca ter pisado numa fábrica em toda sua vida[1].
Diferentemente de Marx, Mises teve rigor e honestidade intelectual e fez uma leitura real daquele momento histórico: antes do Capitalismo as sociedades eram caracterizadas por castas, se você não nascesse nobre, nunca ascenderia socialmente, e ascender socialmente nestes casos significa pouco mais do que não morrer de fome diante de uma má colheita, e deixar de ser roubado pelo déspota que reinava na sua região.
O capitalismo e a divisão do trabalho tornaram os alimentos, calçados e roupas mais baratos permitindo que as pessoas comuns tivessem acesso a estes bens. Antes um artigo de luxo, a carne, passou a fazer parte da dieta dos trabalhadores ingleses nos primeiros 50 anos do século XIX, como conta o historiador Ronald Max Hartwell.
O legado de Mises não se resume a esta observação histórica. Ele escreveu ao todo 29 livros, é um dos maiores economistas da história e foi ferrenho defensor da paz e da liberdade.
Enquanto Paul Samuelson, Nobel de economia, em 1989 ainda afirmava que a economia soviética daria certo, Mises em 1920, apenas 3 anos após a Revolução que instaurou o socialismo na Rússia previu com impressionante precisão quais seriam os resultados daquele experimento:
‘Pode-se antecipar qual será a natureza da futura sociedade socialista. Haverá centenas de milhares de fábricas em operação. Poucas estarão produzindo bens prontos para seu uso final; na maioria dos casos, o que será manufaturado serão bens inacabados e bens de produção. (…) No entanto, neste ininterrupto, monótono e repetitivo processo, a administração estará sem quaisquer meios de avaliar a eficácia de sua produção. (…) Assim, em lugar de haver um método “anárquico” de produção, todos os recursos estarão entregues à produção irracional de maquinarias despropositais. As engrenagens iriam girar, mas sem efeito algum.’ —”O cálculo econômico sob o socialismo” – Mises, 1920
Os livros de Mises foram banidos, queimados ou proibidos pelos governos, enquantoos escritos de Marx passaram a integrar os currículos de ciências sociais de todas as universidades. Os governos bancavam a impressão e distribuição de “O Capital” e “O Manifesto Comunista”, enquanto destruíam as poucas edições de “Liberalismum”, por isso não é de se surpreender com a sua simpatia pelo Marxismo, sua esperança no socialismo, ou por você achar que chamar alguém de “Neo-liberal” é um xingamento. Você é fruto de anos de empenho dos governos em promover seus ideais. As ideias que você acredita revolucionárias são produto de bibliografias estatais.
No filme Matrix, o protagonista passa a desconfiar da realidade que foi acostumado a acreditar e em determinado momento lhe oferecem duas alternativas. Uma pílula azul que o fará esquecer os questionamentos que vinham lhe perturbando e seguir vivendo na realidade inventada, e uma pílula vermelha, que fará com que tome conhecimento do real funcionamento do mundo. Mises é a pílula vermelha.
A segurança com que ele termina o último parágrafo de Liberalismo ajuda a entender o porquê dos governos temerem estas ideias a ponto de tentarem destruí-las:
“Nenhuma seita, nenhum partido político estaria disposto a abster-se de promover sua causa, de apelar aos sentimentos dos homens. Retóricas bombásticas, músicas e hinos, bandeiras tremulantes, flores e cores servem como símbolos, e os líderes procuram ligar seus seguidores a suas próprias pessoas. O Liberalismo nada tem a ver com tudo isso. Não tem flor alguma e cor alguma como símbolo partidário, nem canções ou ídolos, nem símbolos ou slogans. Tem a substância e os argumentos. Estes, necessariamente, o levarão à vitória.”