Em vários lugares do país, multiplicam-se os projetos e ações de inclusão e cidadania. Se há tantos, por que a desigualdade é tão persistente? É que ela tem raízes profundas. Reverter o quadro exige tempo e a dedicação de todos, não apenas dos agentes governamentais. Entro nestas colunas não para refletir sobre as tais raízes, há historiadores e sociólogos suficientes (embora eventualmente me refira ao tema por citações bibliográficas ou comentários coletados em vídeos, depoimentos e sugestões). Quero narrar flagrantes de atos que dignificam a civilização, como as ações de conforto, de prevenção e de salvamento, sejam estas físicas ou psíquicas e que colaboram para o bem-estar alheio.
Decidir pelo voluntariado implica mais do que renúncias ou motivações religiosas, compreende entender o que chamamos de humanidade e tornar o nosso espírito disposto ao aprendizado. A proposta, portanto, desta coluna, é narrar, refletir, e até mesmo descrever as experiências pessoais e coletivas, em estilos variados, crônicas, artigos, e, por vezes, à beira de reportagem. Proposta aberta e intelectualmente despretensiosa , embora com um mínimo de estética, afinal, a arte também dignifica.
Por que a solidariedade persiste embora as tentações? Ouvi, certa vez, de um voluntário que seguidamente se questionava sobre as motivações, se por vaidade ou para compensar o sentimento de perda. E completava refletindo sobre o mistério, “precisava perder para me tornar assim solidário? Por maior que seja toda e qualquer dedicação, nunca reconstituirei esta ferida.” Intrigante: por mais que a psicologia ou as religiões proponham os motivos, ainda assim, há um segredo impossível de ser revelado, nem sempre as perdas despertam a solidariedade, em alguns, afloram a ira e inveja.
Reduzo, assim, a pretensão de tradutor de segredos à de um observador que acredita nas sutis conexões. Mesmo a contragosto, sobreviver é conectar-se às regras macrossistêmicas, daí porque precisamos recuperar e reforçar valores diante de tantos saberes. Penso, pois, que, a compaixão está para a sociedade assim como o alimento para a sobrevivência. Um religioso apontará que a motivação provém de um deus, eu prefiro entender que este mesmo deus passou o bastão da autodeterminação à humanidade, e é a partir dela que são tomadas as decisões mais relevantes. Saber implica a percepção clara da potência, e aplicar simplesmente um dado conhecimento é um risco de proporções incontroláveis, como ocorre na exploração da ignorância em prol do lucro fácil e na manipulação da insegurança. Optar pela solidariedade, assim, é contribuir para a harmonia social, é reforçar as conexões, permitir o trânsito dos saberes e fazer com que juntos meditemos sobre esta dádiva chamada sabiência.