É preciso que saiba, rapaz: ela está indo embora. Ela sente-se cansada e compreendeu que não há mais nada que a prenda a você, ela não encontrou nada além de um amor quebrado, que fez com que se sentisse pela metade. E ela não gosta de metades. Ela não sabe ser pela metade. Pelo contrário, ela tem fome de mundo, voracidade pelo o que é inteiro e o que ela quer é muito comparado ao que você ofereceu.
Ela está indo embora e é preciso que você saiba que quando ela parte, ela segue em frente e quando vai, não costuma voltar. Não adianta experimentar novos jogos, tentar chamar a atenção dela, essa atenção não é mais sua e ela cansou porque entendeu como você funciona – e por isso mesmo não funciona mais.
Pode guardar em algum canto as lembranças do que viveram e se ainda houver a mais sutil esperança, faça o favor de não alimentá-la com o mínimo grão. Seria tão eficiente quanto alimentar um cadáver – o que já está morto não precisa ser dado de comer. Logo ela, que se encheu de vida quando esteve com você, quando você esteve inteiro junto dela.
Se o que viveram significou algo a você, guarde com delicadeza dentro de um potinho imaginário. Mas guarde lembrança a lembrança, reserve punhado a punhado da história e jogue ali dentro. Tampe para proteger, tampe para não escapar da memória. Faça com gentileza semelhante a que ela guardou os próprios pertences enquanto fazia a mala pra ir embora.
Ela dobrou as roupas com a mais completa calma, sem qualquer urgência de concluir o trabalho. E fez isso não para ganhar tempo de certificar-se da própria decisão, mas porque sabia que seria a última vez – ela não tinha dúvidas de que não voltaria mais ali. Ela não precisou revisitar todos os cômodos da casa para se despedir, já fizera isso muito antes. Apenas respirou com vagareza o último ar, ela que sempre foi de absorver tudo até o fim.
Mas ela demorou a absorver o final de vocês, rapaz. Até porque todos os últimos momentos que tiveram juntos foram despedida – mesmo que você saiba só agora. E até hoje ela não sabe se seus olhos marejavam ou estavam vazios no momento do adeus. Porque quando ela vai embora, ela não costuma olhar para trás.
O último olhar dela sob você já era passado. Mas ela o amou. Ela o amou mais do que podia, de um jeito que nunca soube explicar, amou mais do que cabia dentro dela. Por isso o sopro, por isso fazer o movimento inverso e expulsar aos pouquinhos esse amor de dentro de si. Ela precisou esvaziar-se de você.
Ela está indo embora e segue sem questionar a própria desistência, não se consome em medo de futuro. O medo também já é passado. O medo existente era da perda. E ela perdeu. Não há como acrescentar mais realidade a própria realidade. Quem sabe, você nunca tenha observado a mulher corajosa que ela era e a solidão que sentia.
Ela está indo embora e leva na bagagem a certeza de que perder também é ganhar. E ela precisou perdê-lo para ganhar de novo a si. Ela está indo embora em direção a ela. E pra você ela não vai mais voltar.