Fui abduzida por uma nave espacial gigantesca, o pior é que só me dei conta depois de estar em um compartimento fechado e cúbico do tamanho de uma pequena sala 12m², com uma vaca, um unicórnio (sim, eles existem) e outro cara que só falava espanhol.
Estava eu andando de bicicleta na beira do Guaíba, 22h no horário de verão, horário mais fresco dessa estação, quando fui ofuscada por uma luz intensa vinda de todos os lados, questão de segundos, daqueles que nem dá tempo de gritar por socorro, falar a expressão “minha nossa” ou ter a sensação que morreu (deve existir isso).
E agora esse castelhano não para de falar ao meu lado, o unicórnio está dividido em amores entre a vaca e a minha bicicleta, e eu estou aqui pensando que mal começou o ano após a páscoa e eu nem fiz minha lista de objetivos, pelo andar da espaçonave, acho que nunca farei.
Abre de repente uma porta de cima para baixo, de lá sai o John Lennon falando o que parece aramaico (não sei o porquê sei isso), logo atrás vem Tom e Jerry, e ainda penso que nunca usei LSD em vida, quando aparece linda e loira Marilyn Monroe que pega minha mão e me canta ao pé do ouvido “Happy birthday Mr. Presidente”.
Minha cabeça cai sobre o livro, ainda meio zonza de sono, tentando distinguir a realidade da imaginação, completamente apaixonada, que voz, que sonho, talvez eu tenha que cancelar as pedaladas noturnas. Lá se foi o disco voador. E eu continuo dentro do aeromóvel, com o fuso horário trocado do Japão, segurando uma carcaça de uma katana, um livro sobre o Godzilla e uma mochila estropiada, olho para os lados, não vejo mais ninguém às 23h da noite, o guarda deve ter ficado com medo de me acordar, fiquei pra lá e pra cá cochilando nessa nave portoalegrense. Desço, escabelada, com a baba seca no canto da boca e vou pegar o Trensurb, Kennedy deve estar me esperando cheio de saudade e vontade de me lamber, ele poderia cantar como a sua amante para uma noite boa de mais sonhos possíveis.