Como sempre, eu estava duro durante o período da Feira do Livro. Como ainda tenho uma meia dúzia de livros que comprei na Feira do ano passado que ainda não li, a minha idéia era não gastar nada nesse ano. Entretanto, certa tarde, eu estava lá, só para olhar os lançamentos, as pessoas, o movimento e coisa e tal, quando um livro me chama a atenção numa pequena banca: Fé na estrada. Primeiro, pensei que fosse uma obra religiosa, do tipo, “vamos levar a Palavra pela estrada para converter todo mundo ao nosso fanatismo”. Porém, as fotos da capa eram muito beats para ser de um livro religioso. Foi então que li, no canto esquerdo superior da capa, em letras pequenas, um comentário do jornal O Globo: “O On the Road do século XXI”. Eu tinha R$34 na conta e mais R$40 no bolso. Com esses R$75 eu tinha que passar o resto do mês, mas quando a pessoa tem um vício, ela entrega todo o seu dinheiro para atender as necessidades desse vício. O livro custava algo em torno de R$35. Tentei passar o cartão, não deu. Aliás, nunca dá. Então, usei o dinheiro que estava no bolso.
No livro, o jornalista brasileiro Dodô Azevedo fez o que muitos já fizeram ou sonham em fazer: repetir a trajetória que Jack Kerouac fez em On the Road. Porém, ele deixa claro que seu objeto é justamente relatar o que sobrou da cultura beat e da contracultura no momento em que ele fez a viagem: 2003, durante o governo Bush, no período pós-11 de setembro. Para muitos a narrativa e a idéia de Dodô pode parecer pouco original, uma cópia do que muitos outros já fizeram, uma tentativa frustrada de recuperar o que já não existe mais. Usando um clichê, ele estaria “forçando a barra”. Confesso que, nesse sentido, eu cheguei a pegar o livro com certo preconceito. No entanto, é só começar a ler para ver que não se trata de nada disso. Dodô tem um estilo próprio, com muito humor e originalidade, e em nenhum momento passa a impressão de tentar imitar Kerouac, Hunter Thompson, Ginsberg, etc. Inclusive, ele faz as referências a esses nomes, mas deixando a sua própria marca registrada no texto.
Aliás, um ponto que chama a atenção no relato de Dodô é que muitos americanos sequer fazem idéia de quem era Kerouac ou o que eram os beats. Um deles perguntou: “Quem ser Jack Kerouac, algum escritor paquistanês com nome falso?”. Ao que Dodô respondeu que sim, óbvio, é um escritor paquistanês que adotou esse pseudônimo maluco. Algumas hilaridades da obra são as mentiras que Dodô conta aos americanos, como por exemplo, quando um dono de bar de beira de estrada não sabe onde fica o Brasil. Diante disso, Dodô conta que o Brasil é um pequeno país que faz fronteira com a França, afinal, é sempre bom fazer fronteira com países desenvolvidos.
Enfim, esse é um livro que está sendo muito inspirador para um jornalista ferrado como eu, que em pouco tempo talvez se encontre na cidade que hoje é o coração do mundo, e que, como mostrou Dodô, pode não ter mais os mesmos beatniks, mas que ainda conta com muito maluco fora da casinha. E eu adoro malucos fora da casinha.
Como já passei da conta, por hoje é isso. Hasta!