A seleção era a de 78. Não é que eu gostasse assim de futebol, mas era jogo do Brasil, eu tinha, tinha mesmo, que assistir. Resolvia encarar essa tarefa como dever cidadão, afinal, quem sabe, um dia eu seria um torcedor irrevogável, torcedor daqueles que vibram com a corrida frenética rumo ao gol. O gol quando acontece é, de fato, um momento quase mágico. Digo mágico porque diante de tanta gente correndo, é pouco provável que a bola faça a rede vibrar, digo quase porque o improvável, quando perde seu prefixo, vira fato possível.
A sala repleta de amigos da família, a televisão recém-comprada exerce seu carisma. A partida começa, Brasil versus Peru, copa de 1978. Esse ano vem de pronto à memória quando se fala em Copas do Mundo. Sei que Copa das Confederações não é a mesma coisa (aliás, por que a diferença?)… Foi um gol inesquecível, daqueles que merecem uma placa de comemoração, marcado para sempre. Após falta contra Jorge Mendonça, os suspiros suspensos, a tentativa de se manter o silêncio para ver o lance. A falta foi cobrada.
A campainha toca e entram Dirceu e sua filha, Inês. Abro a porta, obedecendo ao pedido de meu pai: “deve ser o Dirceu, disse que viria, abre lá a porta enquanto adianto o copo de cerveja pro meu amigo”. Abri. Lá da televisão, ouço na narrativa a cobrança da falta. Inês me dá dois beijinhos descompromissados, Dirceu me cumprimenta com um tapinha nas costas e entra.
Dirceu, o jogador, corre em direção à bola, lança um chute certeiro e gooooooolllll! Inês e eu não conseguíamos disfarçar o olhar. Dirceu, pai de Inês, e todos os outros comemoram em vários tons o primeiro gol da partida, aos quatorze minutos e vinte e dois segundos. Ali o tempo para pra nós dois. A última voz que ouço veio do comentarista “…lance cientificamente preparado…”. Pra mim também foi. Sabe-se lá se ciência do destino, Inês e eu, no campo dos olhares. A partida continuou. Os ânimos inundados pela alegria do improvável, agora esperando outro tremular de rede, combinavam com minha partida iniciada com Inês.
Soube depois que Dirceu, o jogador, fizera outro gol aos 27 minutos. O comentarista, sem dó nem piedade, dissera: “goleiros peruanos nunca dão sorte com os atacantes brasileiros, normalmente eles falham…”. Os desencontros dali para adiante marcaram vários destinos daqueles que se encontraram naquela tarde de 78, uma falha imperdoável da vida, mas certo é que, aquele gol primeiro, acelerou em mim a pulsação que serviu para tantos outros olhares promissores, prováveis, cheios de vida. Dirceu, o pai, nunca soube, mas, entre nós, alguns gols foram feitos…
Lindo texto. Adorei.