Se 2013 foi o ano dos grandes protestos no Brasil do século XXI, 2014 começa dando sinais de que pode superar o ano anterior em mobilização social. Na quinta-feira, 30 de janeiro, completam-se quatro dias de greve dos rodoviários, provavelmente uma das greves mais polêmicas da categoria. Dirigida não pelo sindicato, mas por grupos de oposição que ganham força diante da ineficácia dos dirigentes sindicais “oficiais” em representar os trabalhadores, a mobilização já foi acusada pelo prefeito e pela imprensa de levantar suspeita de “locaute”, ou seja, de ser uma greve orquestrada pelos empresários do transporte.
Não há dúvidas de que a mobilização favorece os empresários, que atrelam o pagamento de aumento salarial ao reajuste de tarifas. Mas passados quatro dias, a mobilização dos rodoviários mostra que não está de conluio com os interesses dos empresários do setor. Nas garagens houve piquetes durante todos os dias da mobilização e a comissão de negociação tentou, via Ministério Público do Trabalho, garantir que os ônibus pudessem circular com as catracas liberadas. Ao receber a negativa, os rodoviários mobilizados afirmaram que a única alternativa era não tirar os ônibus das garagens, contrariando a posição da direção do sindicato, inclusive. Derrotados internamente, os dirigentes sindicais afirmaram que “quem decide são os trabalhadores” e que o sindicato teve que acatar à decisão de greve geral.
No Facebook, no perfil “Rodoviários na Luta”, os trabalhadores afirmam que não querem o aumento da passagem e que a greve é para que as reivindicações da categoria sejam atendidas. Defendem reposição salarial de 14% , jornada de trabalho diária de 6 horas, aumento do vale-alimentação, fim do banco de horas, não pagamento de acidentes e auxílio creche para filhos até 6 anos de idade. Os empresários do setor alegam que estão no prejuízo com a redução da tarifa em 2013 e que só atenderão às reivindicações dos rodoviários se a passagem aumentar. Mas “prejuízo” talvez não seja a melhor palavra. Em um informe do DIEESE de maio de 2012, intitulado O desincentivo ao transporte coletivo em Porto Alegre, o centro de estudos identifica que em 1994 o salário de um motorista poderia comprar o equivalente a 1.184 passagens de transporte coletivo. Em 2012, 610 passagens, o que significa que o valor da passagem subiu 94,1% a mais que o salário do motorista. Outro índice para avaliar o lucro dos empresários do transporte é a inflação. Entre 1994 e 2012 a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) foi de 310,86%. O aumento das passagens, 670,27%. Diante deste cenário, quem está em prejuízo são os rodoviários e a população usuária do transporte coletivo, pois esses lucros não se reverteram nem em melhores salários e tampouco em melhorias para o transporte coletivo.
A prefeitura por enquanto lava as mãos. Diz que só começam as tratativas para reajuste da passagem após pronunciamento do Tribunal do Contas do Estado (TCE), que desde março de 2013 conduz inspeção para apurar os critérios utilizados para definir o valor da passagem e encontrou diversas irregularidades, o que levou à redução da tarifa no ano passado, com a pressão de milhares nas ruas e o pedido de liminar dos vereadores Pedro Ruas e Fernanda Melchionna (PSOL). Para mediar a crise com os rodoviários, o TCE definiu data para votar a inspeção especial: será no dia 12 de fevereiro. A expectativa da prefeitura com isso é que poderá ter um novo valor das passagens até a primeira quinzena de março. Mas até lá, muita água vai rolar, enquanto a promessa de licitação imediata para regularizar o transporte coletivo escorre pelo ralo.
A quinta-feira é de paralisação. Além da greve dos rodoviários, início da greve dos correios e paralisação dos trabalhadores da saúde do município. O movimento grevista faz de Porto Alegre uma cidade agitada e parada ao mesmo tempo, no momento em que os olhares mais atentos se voltam para o Rio de Janeiro. Lá, o prefeito Eduardo Paes definiu aumento da tarifa de R$ 2,75 para R$ 3,00. Mais do que 20 centavos. Veio com compensações pós-jornadas de junho: ampliação do passe livre para universitários, possibilidade de utilização nos finais de semana, e aumento no número das passagens subsidiadas. Será o necessário para evitar uma nova revolta? O que acontecerá nos próximos dias no Rio pode definir o que acontecerá nas demais capitais e estados do país da Copa de 2014.
Em Porto Alegre, nessa sexta, os rodoviários se unem aos jovens do Bloco de Luta pelo Transporte Coletivo, que lideraram os protestos contra o aumento da tarifa em 2013, para um novo ato contra o aumento de passagens. Esse novo ano parece nos reservar ainda inúmeras surpresas e, ao que tudo indica, muita mobilização.