Ontem à noite, procurei pelo céu uma lua que fizesse de mim um cronista possível. Nenhuma estava por lá, ficamos ilunes, uma nuvem gigantesca tomava a noite do Rio de Janeiro. Não sei se só daqui não se podia vê-la, talvez na Bahia, sim, quem sabe Porto Alegre tenha um luar em destaque, por cima do Guaíba? Nos recantos do Brasil, há luares empolgando poetas, cronistas e enamorados. Aqui, ontem, minha crônica sobre lua não foi possível.
Tenho me incomodado pela falta de luas arrebatadoras. Tudo bem, lua não havia… mas havia uma nitidez do outro lado da rua que me chamou atenção, era a felicidade da casa em frente. Luzes acesas, pessoas passeando por entre os cômodos. Tudo muito claro e encantador. Não sei se comemoração ou simples noite sem luar nem notada, aluaram por si, pareciam gostar de infância e seus desdobramentos. Do meu lado, olhando da noite escura, vi que não podia me incomodar mais.
Em tantos outros momentos a voz dizia em mim que não fizesse da vida um barril de pólvora, mas agora nem dizer era mais preciso, eu vi ali do outro lado o que não era possível em minha casa antigamente. Meu pai era sério no falar, cruel no dizer, poucas vezes afetuoso, alegre em dias de sol e amigos por perto. O toque da campainha, quando chegava, determinava a forma como deveríamos estar, mas recheava um frango, minucioso, cirúrgico, deliciosamente delicado, com sabores que não entendíamos como podia sair de suas mãos.
A festa em frente me presenteava. Pra mim uma festa. Depois, vi um final de noite comum, sim, era um fim de dia que chegava, rente e rápido, emoldurando as conversas, provavelmente cotidianas, daquelas de se saber como foi na escola, se no trabalho fora tudo bem, ou ainda, se entregaram a encomenda da farmácia. E a lua nada… nada de lua.
Saí da janela e deitei no sofá, lentamente, com ar de cansaço de fim de festa. Suspirei tão forte a ponto de mover as nuvens do lugar. Vi, na fresta, uma ponta de luar. Fiz dali por diante, uma oração em agradecimento.