A notícia da jovem que foi estuprada, em pleno meio dia, no Parque da Redenção em Porto Alegre, um dia após o 8 de março, vem escancarar diante dos nossos olhos, a realidade que todas as mulheres estão submetidas. Uma notícia que nos dá medo, que nos envergonha: pela extremeza e pela impunidade.
Talvez, porque ela nos faça lembrar o quanto estamos expostas. Que, afinal de contas, vivemos em um país que a cada 4 minutos 1 mulher é estuprada. E para quem acredita em destino, manter a integridade física, sendo mulher, ao longo de uma vida inteira, é praticamente uma questão de sorte.
Dia desses vi uma notícia de que a mulher foi agredida quando fazia a revisão e transferência do seu veículo por um senhor que achava que ela não tinha estacionado bem o veículo, naquele local tipicamente frequentado por homens. Ele disse à mulher que ela não deveria estar ali; que aquele não era um lugar para mulheres. Ele a socou e a chamou por diversos não-adjetivos típicos. Ele ficou esperando ela sair, na porta do estabelecimento para completar-lhe a lição. Mas foi embora, assim que viu a viatura da polícia militar chegar ao local.
O que estas histórias têm em comum afora a truculência, a impunidade e a covardia? O fato de que os homens ainda pensam que existem lugares que não são delas. Eles ainda acham que têm uma prerrogativa de agir com violência, para colocarem elas: “no lugar delas”. Eles ainda pensam que existem locais que são de exclusividade deles. E o fato, de que qualquer uma delas é qualquer uma de nós.
Estas, talvez sejam mais algumas, das tantas histórias de violência contra a mulher que conheço. Ou não. Provavelmente, mais um número nas Delegacias especializadas. Mais uma tragédia pessoal, de mulheres anônimas, ou não; qualquer destas, que passam a integrar a regra de experimentar situações de violência, ao longo da sua condição de mulher.
No lugar delas, sentiria impotência, medo, vergonha. Também gritaria de raiva. Também choraria, por ninguém ter me socorrido. Provavelmente, me desesperaria, por estar só. Ou mesmo que estivesse amparada, ainda seria uma experiência solitária e intransferível. Amargaria a impunidade e a naturalidade destas histórias: apenas um requinte de crueldade num mundo em que ainda me é dado certo lugar e não outros.
Por certo, no lugar delas, também denunciaria. Justamente, por não aceitar este não lugar. Por acreditar que meu lugar é todo lugar.
Esses dias de março, em que tanto nos encontramos entre flores e lutas, as razões de refletir e enfrentar a violência contra a mulher se reitera. Superar a violência cotidiana é reafirmar que todo lugar é delas. É dizer que viver sem violência é um direito e condição de plena dignidade. E que, nestes nossos tempos, não há mais lugar para a mulher suportar violências pelo simples fato de ser mulher.