Acabei de fazer meu visto para a viagem para Nova York. Na verdade, para quem vai fazer o doutorado sanduíche nos Estados Unidos fazer o visto é como um dramalhão mexicano: você fica nervoso, sofre, achando que vai ter um super-interregatório, pensa em mil coisas, mas na verdade o final é sempre feliz. Digo isso porque ouvi muita coisa sobre a tal “entrevista do visto”: não fale isso, fale aquilo, não faça isso, faça aquilo, etc. Pois bem, mas antes de chegar lá, vou começar do início.
Minha viagem de Pelotas para o Rio foi feita em partes. Na verdade não saiu tudo como o planejado. Quando estava no ônibus indo de Pelotas para Porto Alegre, na noite da sexta-feira da última semana, minha mulher me ligou para avisar que a sua avó tinha falecido. Não tenho como descrever o quão perdido eu fiquei, pois, por um lado era praticamente impossível remarcar a entrevista do visto e fazer tudo a tempo, e por outro, a Dona Diva, vó da minha esposa, foi a vó que não tive: ela era uma mãezona que cuidava de toda a família com um infinito amor e carinho. Sempre me tratou como um neto de verdade. Nos sete anos em que convivi com ela, nunca a vi de mal humor, reclamando da vida, ou falando palavras que não fossem positivas para mim e para os outros. Um dos seres humanos mais espetaculares que já conheci, e que partiu de repente, de maneira totalmente inesperada (daí o choque e a dificuldade em aceitar). Entretanto, meu ônibus saía de Porto Alegre para o Rio no sábado, às duas da tarde. Ou seja, impossível ir até Santo Ângelo e voltar a tempo. Viajar de avião? O problema agora eram os valores, pois de um dia para o outro as passagens estavam perto da casa dos mil reais. Acabei lembrando das palavras da própria dona Diva, dizendo para eu fazer sempre o melhor para mim e para a minha família, então, acabei indo. De coração apertado viajei 29 horas até chegar no Rio às 18h do domingo.
Meu primeiro compromisso era às 14h de segunda-feira, no bairro Humaitá. Estou hospedado no Flamengo, na casa de um amigo meu de infância que trabalha na Petrobrás. Revisei todos os papéis, reli todos os formulários, enfim, me preparei para dar todas as explicações possíveis, mas, chegando lá, entrei numa fila gigantesca onde um cara dizia a toda hora “eu só quero vocês com o DS-160 (que é o formulário do visto) e o passaporte. Mais nada. Não quero ver nada além disso nas mãos de vocês”. Ok. Assim, fui para um balcão de atendimento onde pegaram minhas digitais, carimbaram meu formulário, tiraram foto e me mandaram embora.
Tudo bem, pensei. A entrevista seria no outro dia. Terça-feira. Novamente fiquei em casa estudando e me preparando para responder a todas as perguntas em inglês. Fiquei imaginando que me levariam para um porão escuro, semi-iluminado por uma lambada de abajur que ficaria se balançando no teto, enquanto o entrevistador daria socos na mesa e tentaria me pegar em uma armadilha de palavras: “Quer dizer que você quer ir para os Estados Unidos, hã? Então, como você explica que você vai fazer doutorado em uma das mais importantes universidades norte-americanas sem falar inglês fluentemente, hãm, hãm, hããããm????”.
No entanto, cheguei lá e novamente a mesma coisa: fila gigantesca até chegar na minha vez de se dirigir a uma cabinezinha (são várias, uma do lado da outra, onde o pessoal vai fazendo as entrevistas). Na verdade, a mulher olhou meus papeis e me perguntou se eu falava inglês. “MyEnglishisnotsogood”, disse, lembrando uma frase que ouvi certa vez, em MadMen. E, a partir daí, surpreendentemente falei o meu melhor inglês com a moça, que basicamente queria saber sobre o que era a minha pesquisa e por que eu escolhi a NYU. Nada mais. Não pediu para ver nenhum outro papel, não perguntou nada sobre a minha vida, sobre o que eu penso dos States, nada. Estava louco para debater com ela a indústria cultural norte-americana, o jornalismo gonzo, a briga entre Democratas e Republicanos, mas ela só disse: “seu visto está aprovado, você receberá seu passaporte com o visto em duas semanas”. Fiquei estatelado na frente dela, querendo dizer: “É só isso??? Tem certeza que não quer ver todos meus papeis, minha carta de aceite da NYU, a tabela de valores da bolsa da Capes, meu projeto tão lindo de doutorado que tenho aqui, nessa pastinha preta???”. Mas ao invés disso fiquei parado na frente dela, boquiaberto. Então ouvi: “É isso, senhor. Pode ir”. E eu fui.
Até a próxima!