Parte 1
Sentado em um restaurante, esperando ser servido, perguntava-me o que eu gostaria de comer. A verdade que eu estava dividido entre a minha dieta e uma porção em escala industrial de calorias que me dava água na boca. Eu realmente estou lutando para emagrecer, bem, lutando é um pouco dramático, estou empenhado, assim fica mais realista. Mas na verdade, escolher e administrar nossos sonhos e desejos é umas das grandes questões da vida e mãe de nossas angústias e ansiedades.
O garçom se aproxima e, finalmente, tenho que decidir e em um tom de voz mais para boi que vai para o matadouro, pedi o inefável file de peixe com legumes. Não me entendam mal, adoro peixe, mas provavelmente este é congelado e todo o seu gosto foi junto com a água do descongelamento. Assim é também com muitos dos nossos desejos.
Desejos são para ser almejados, já que muitos, ao serem alcançados, têm gosto de peixe descongelado, em síntese, sem gosto.
Resolvido temporariamente meu dilema existencial no tocante ao que eu ia comer, por vício de profissão, escaneeei o salão do restaurante à procura de cenas e diálogos nas outras mesas. Um bom analista sempre é um curioso e nada melhor que observar as mesas em um restaurante, como se fosse um imenso aquário. Ai! Me lembrei do peixe molenga que vai aterrissar na minha mesa. Preço de cinco estrelas e gosto de meia estrela. Gozado como algumas pessoas são assim também.
Mas antes de chegar meu prato, minha atenção se fixou em uma mesa que estava sentado um pai de quarenta anos (isso eu suponho) com seu filho de 12 anos ( esse eu tenho certeza), e comecei a participar secretamente daquela conversa, pensando o que aquele pai deseja para o seu filho.
Não, não me venham que esperam que sejam felizes bla bla bla!
Primeiro porque é pieguice, segundo: de que felicidade estamos falando, o que imaginamos e sonhamos para a felicidade apropriada para nossos filhos?
Em tempo, eles, talvez mais sábios que eu, estavam destroçando um prato de contrafilé à francesa. Guarnição à francesa para quem não conhece é aquela divina mistura de batata palha, cebola frita, ervilha e tiras de presunto, misturados de tal maneira e com tal maestria que a batata não fica mole. Não é fácil de ser comida, porque a cada garfada metade tomba antes de ser levada à boca. Azar pro pai, já que o adolescente estava vorazmente debruçado sobre o prato de comida, um tanto fora das normas de etiqueta e, provavelmente, disputando mentalmente com o pai que iria comer o que estava sobrando na travessa.
Esse é o âmago da relação parental: protegemos, sustentamos, educamos e muitas vezes amamos nossos filhos, mas também invejamos a juventude, a alegria, as chances que possam ter e a infinita capacidade de comer e não engordar.
Desde mesmo antes da relação sexual que culminará em seu filho, conscientemente ou inconscientemente, mas certamente , desejamos sobre uma vida que ainda nem nasceu, escolhemos nomes que achamos que são inocentes, mas não o são. Vou dar o nome de Clara, terei uma menininha doce, ou Bruno, um garoto fortão e a partir daí nossos filhos serão o ponto para onde se destinarão nossos desejos e temores. Cada decisão, cada escolha sobre a vida de nossos filhos, fazemos através de nossos desejos, nossas angústias e nossos sonhos.
Não se desespere, isso não é ruim, é assim que transmitimos nossa vida aos nossos filhos, nossa história e, nossas alegrias e dores, mas não pense que nossos filhos são receptáculos inertes, sendo preenchidos por nossos desejos . Aí a coisa complica e é matéria para outro texto.
Por isso, não se assuste e nem se sinta injustiçado se seu filho é distante e só pensa em consumir, analise seus desejos e sonhos que você não conta para ninguém antes de reclamar.
Por mim, espero que meus filhos tenham vontade de fazer algo, que tenham uma opinião, que possam amar e possam odiar, assim podendo sentirem-se vivos e caminhantes nesta estrada da vida .Mas..
Por outro lado, gostaria que fossem desejados, invejados e amados. Que pena, parte é por ele, mas grande parte é por mim.
Ps1: agradeço o convite da Letícia que tem uma voz jovial e alegre ao telefone, mas que confesso que ao aceitar o convite tão prontamente deveu-se ao fato de que tenho uma menina chamada Letícia também.
Ps2: Em tempo, o peixe estava horrível, devia ter pedido algo um pouco mais pecaminoso…, mas pelo menos mantive a dieta.
Nota da editora: Eu que agradeço, Sérgio.