Recentemente, o Estado Russo deu mais uma prova ao mundo da sua falta de compromisso com os direitos fundamentais mais básicos do ser humano, demonstrando o viés evidentemente totalitário do governo instalado. No dia 19 de setembro deste ano, ativistas do Greenpeace, que realizavam manifestação pacífica a bordo do navio Arctic Sunrise, contra a exploração de petróleo no mar de Pécora, foram detidos pelas autoridades russas. Dos 30 ativistas, 14 foram formalmente acusados de terem praticado “crime de pirataria”.
A manobra ilegal realizada pela Rússia torna-se possível em razão de lacunas existentes na legislação internacional de regência. De fato, a disciplina dos espaços marítimos se encontra prevista na Convenção Internacional sobre o Direito do Mar, também conhecida como Convenção de Montego Bay. Segundo os parâmetros estabelecidos pela referida Convenção, a plataforma de petróleo alvo dos protestos do Greenpeace se encontra fora dos limites territoriais (marítimos) do Estado Russo, pois se localiza, na verdade, em águas internacionais, espaço sujeito à jurisdição de qualquer Estado. Devido à concorrência de jurisdição dos Estados Soberanos, instituiu-se o Tribunal do Mar, órgão judiciário responsável por solucionar eventuais controvérsias no âmbito da disciplina jurídica das águas marítimas. Entretanto, o Tribunal do Mar não possui competências criminais, ou seja, não pode julgar crimes, como os de pirataria, por exemplo. Assim, a prisão dos ativistas do Greenpeace, embora completamente descabida se levarmos em conta os fundamentos do Direito Penal libertário, pois não havia qualquer ameaça efetiva e real à segurança física tanto do patrimônio, quanto dos trabalhadores da plataforma, não pode ser classificada, rigorosamente, como penalmente ilegítima perante a Convenção de Montego Bay.
Há de se notar, entretanto, a gravidade da situação, pois vários ativistas, de várias nacionalidades, foram detidos por um ato verdadeiramente arbitrário do governo russo. Se não há solução satisfatória a ser encontrada na Convenção de Montego Bay, deveriam os países dos respectivos cidadãos envolvidos tomarem as medidas necessárias para reverter tal quadro de arbitrariedade. Segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a solução de controvérsias deverá ser feita por meios pacíficos e, primariamente, de maneira diplomática.
Os ativistas são provenientes dos seguintes países: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Dinamarca, EUA, Finlândia, França, Holanda, Itália, Nova Zelândia, Polônia, Reino Unido, República Tcheca, Rússia, Suécia, Turquia e Ucrânia. Numa rápida pesquisa, constatou-se que a maioria destes países não tomou medida alguma para socorrer os seus nacionais, limitando-se, quando muito, a um passivo contato diplomático.
Na Argentina, a principal exortação contra o governo russo não partiu do governo, mas de Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Nobel da Paz em 1980, que, em carta divulgada no dia 28 de setembro deste ano, pediu ao presidente russo a libertação dos 30 ativistas do Greenpeace.
No Brasil, a mais importante (e talvez não tão efetiva) medida tomada pelo Itamaraty, além do “acompanhamento” do caso, foi a promessa de que o embaixador do Brasil na Rússia assinaria uma “carta de garantia”, carta esta que “garantiria” que a brasileira Ana Paula Maciel (integrante do grupo de ativistas) não sairia do território russo antes do julgamento do processo, caso lhe seja dado o direito de responder em liberdade.
No Canadá, tampouco há qualquer pressão realizada pelo governo, que se limita a prestar “serviços consulares” aos seus nacionais detidos pelas autoridades russas.
Os Estados Unidos, supostamente a nação mais poderosa do planeta, também se limitou, por enquanto, a prestar “serviços consulares” aos seus nacionais. Na verdade, uma importante iniciativa não partiu do governo federal, mas dos legisladores de Maine, que enviaram uma petição ao governo Russo pedindo a libertação de todos os ativistas detidos.
Seguindo a inércia dos demais países, o Reino Unido também se limitou a prestar “serviços consulares” aos seus nacionais detidos.
Por outro lado, a Holanda corajosamente decidiu tomar atitudes mais concretas contra o governo russo, tendo anunciado, no dia 04 de outubro deste ano, que irá mover uma ação judicial perante o Tribunal do Mar para libertar os ativistas detidos, caso não haja uma solução pacífica em até duas semanas. Muito embora a boa vontade do governo holandês, creio que tal ação judicial não surtirá frutos, pois, como já dito, o Tribunal do Mar não tem competência criminal, seja para decretar prisões, seja para anulá-las. Porém, é um caso que merece ser acompanhado, pois será paradigmático na área do Direito Internacional do Mar.
Como se vê, embora a ação do governo russo tenha sido ilegal, pois ocorrida em águas internacionais, além de estarem ausentes os pressupostos para a decretação de qualquer tipo de prisão, os países dos nacionais detidos pelo governo russo parecem se contentar com a passividade inútil. É certo que as controvérsias, na seara internacional, devem ser resolvidas pacificamente e por meio da diplomacia. Entretanto, pacificidade e diplomacia não se confundem com passividade e muito menos com covardia. Mesmo a diplomacia deve envolver um alto grau de assertividade.
A defesa das garantias e direitos fundamentais não deve se limitar às fronteiras do Estado nacional, ainda mais quando se trata de defender o próprio cidadão contra as arbitrariedades cometidas por outro Estado. Se é verdade que o povo é um dos elementos formadores do Estado, então cabe a este a proteção dos cidadãos que formam a identidade nacional, onde quer que estejam, contra quem quer que os ameacem. E esta proteção deve se dar de forma eficiente e assertiva. A covardia e a passividade não combinam com um Estado que se diga soberano.