A crise de um Estado que não vai nada bem
A saúde no Estado agoniza, e esta não é nenhuma novidade. Desde 2004 os estados são obrigados a investir 12% de sua receita para a saúde. Com as contas apertadas na impagável dívida com a União, o governo admite dificuldade em chegar lá. Em dezembro a Secretaria da Fazenda falava que os investimentos estavam beirando 11%. O cenário já foi bem pior. Até 2010, o investimento era de 5 a 7%. Para o Simers, e a própria Secretaria Estadual de Saúde, além da falta de investimento, os principais problemas são a má distribuição de médicos, que preferem as capitais, enquanto o interior fica desassistido, e as contratações emergenciais, ou por meio de institutos e fundações, sem um plano de carreira para os profissionais de saúde.
Porto Alegre bem conhece esta realidade. Entre 2009 e 2010, o Instituto Sollus foi contratado para administrar o Programa de Saúde da Família da capital. Os profissionais de saúde eram contratados pelo instituto e não pelo poder público. A organização foi acusada de desviar quase 10 milhões de reais pelo Ministério Público. À época o prefeito era José Fogaça. No ano passado, 2013, 2,9 mil técnicos de Enfermagem foram aprovados num concurso da prefeitura de José Fortunati e por muito tempo ninguém foi chamado. Foi preciso muita luta para que pudessem ocupar as 106 vagas que o município disponibilizava (e precisava, de modo urgente!). Agora, a notícia de que o governador Tarso Genro, com os demais ex-prefeitos e secretários de saúde do PT estão sendo acusados de improbidade administrativa. A decisão, em primeira instância, suspende os direitos políticos por cinco anos e cobra multa de R$ 10 mil reais. Nada muda na eleição de 2014, já que o PT já anunciou que vai recorrer. A acusação: contratação temporário de profissionais da saúde, sem concurso público, quando demanda não era temporária, e sim permanente. O velho problema. O atual problema.
O PT justifica que as contratações emergenciais ocorreram quando a saúde foi municipalizada e aconteceram para que o atendimento médico à população fosse garantido. As mesmas desculpas. O curioso é que a história se repete em governos que se diziam defensores de projetos políticos tão diferentes.
Ao encerrar o ano, Tarso, que em 2011 afirmava que seu governo não tinha “cara”, disse à rádio Gaúcha que a marca de seu governo era o desenvolvimento e o combate à desigualdade. Citou o crescimento econômico do Estado, pleno emprego e combate à miséria. Pergunta que precisa ser feita ao governador: é possível combater a desigualdade com uma oferta precária de saúde? Acusado pelas contratações no município, o PT também tem muito a melhorar no Estado. Quem precisa de atendimento de saúde sabe que nada vai bem. O investimento agora é melhor que em governos anteriores, aproximando-se (embora ainda não atingindo) os 12% de investimentos obrigatórios pela Constituição. Mas para isso entram na conta os gastos com o IPE, o plano de previdência e de saúde dos servidores do Estado. Forma de arremedar para fechar as contas e manter os ares de governo que preza pela igualdade.
Mesmo aumentando os investimentos para cumprir a lei, indicadores demonstram que nossa saúde está pior. O Rio Grande do Sul deixou o topo do ranking dos estados com menor mortalidade infantil, perdendo para Santa Catarina. Ao mesmo tempo, caímos no quesito expectativa de vida, que liderávamos e agora estamos em quarto lugar. Os dados são do IBGE. Aparentemente, não estaríamos tão mal, se não fôssemos o estado que menos ganhou expectativa de vida desde 1980 e o que menos aumentou a quantia de crianças salvas da morte.
Enquanto o pagamento da dívida da União predomina, a saúde fica sempre para trás. Ao criar a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), a preocupação com ambulâncias e atendimento médico sequer existiu. Depois de muita cobrança, se definiu que os SAMUs dos municípios fariam o atendimento, o que gera preocupação dos gestores de saúde das cidades. O governo agora promete novas ambulâncias, mas já avisa que só a partir de março.
O grande problema é que tudo isso parte de um governo que se dizia e se diz comprometido com a democracia e com igualdade. Na educação foi a mesma conversa. Até hoje não se pagou o Piso Nacional do Magistério, proposto por Tarso quando ministro da educação. O governador afirma que nenhum professor recebe menos que o determinado pelo MEC e fica tudo por isso mesmo. O dito do governador contra o dito dos professores mobilizados.
O discurso pela democracia permanece. Nessa semana, Tarso será painelista do Conexões Globais, atividade paralela do Fórum Social Temático. Ele debaterá as Jornadas de Junho e o futuro da Democracia no Brasil. Ele mesmo, o governador que como tantos outros permitiu o uso indiscriminado de gás lacrimogêneo contra milhares de manifestantes e a prisão de centenas de adolescentes e jovens que exerciam seu direito à liberdade de expressão. Falar de democracia e de igualdade é bonito. O que ninguém está vendo é a prática deste discurso.