O que acontecerá nos próximos dias na Síria ainda está por se definir. Sobre o que ninguém tem dúvidas é quanto ao nível de tensão no país. A guerra civil – que já dura mais de dois anos – tem destruído milhares de vidas. Estima-se em mais de cem mil o número mortos, contagem cresce a cada momento. O número de refugiados é tão grande e a situação tão comovente que a ONU chegou a criar uma página especial [i] para o tema, que contabiliza o número de refugiados (já superior a 2 milhões!) e conta histórias de alguns deles.
A guerra civil já há tempos ilustra os noticiários internacionais, mas o que fez mesmo o mundo voltar-se com olhos de terror para o país foi o ataque químico que matou cerca de 1440 pessoas, entre as quais mais de 400 crianças. Para os Estados Unidos, o responsável pelo ataque foi o governo do presidente sírio Bashar al-Assad. Dizendo que os EUA não são a polícia do mundo, Obama justificou seus motivos para o provável ataque que deixa o povo sírio na iminência de ainda mais terror: “quando, com poucos esforços e riscos, podemos evitar que crianças morram gaseificadas, e proteger nossas próprias crianças, acredito que devemos agir. Isso é que o faz a América diferente. Isso é o que faz a América excepcional”.
Excepcional mesmo é a cara de pau do governo estadunidense. O “ataque” seria pra defender os civis, ou para matar ainda mais civis, como se viu nas últimas intervenções feitas pela toda poderosa “América” em outros países? A intervenção, disseram, seria “cirúrgica”, rapidamente resolvida. Assim também era pra ter sido no Iraque, onde durou mais de uma década e em que há inúmeras evidências de ataques a civis, como comprovam os documentos vazados ao Wikileaks pelo então soldado Bradley Manning.
Aliás, a política norte-americana de intervir militarmente em qualquer lugar do mundo quando não há ameaça a sua própria segurança começou justamente com a guerra do Iraque. Em 2002, um ano antes da invasão, o governo Bush lançou uma nova doutrina para uso da força militar, descrita no documento Estratégia de Segurança Nacional dos EUA. De acordo com Noam Chomsky[ii], tratava-se de uma doutrina nova e inusitada para o uso de força no mundo, sem qualquer base no direito internacional. Com a nova estratégia, os Estados Unidos poderiam governar o mundo pela força e, “se houvesse qualquer desafio a este domínio, fosse ele longinquamente percebido, inventado, imaginário ou qualquer outra coisa, nesse caso eles teriam direitos a destruir o desafio antes que este se transformasse em ameaça”, como explica Chomsky. Era a justifica para a guerra contra o terrorismo.
Agora, mais de 10 anos depois, estamos diante de uma nova ameaça dos EUA a um país que não lhe apresenta risco algum. É claro que mesmo os mais ingênuos não achariam que é por uma questão de justiça que o país de Obama ameaça invadir a Síria. O renomado paquistanês Tariq Ali[iii] pontua que Obama quer ganhar apoio político na região. Na guerra civil da Síria, a oposição ao governo de Al-Assad está enfraquecida. E esta oposição é formada por aliados dos EUA. É para que seus aliados vençam que os Estados Unidos se interessam em intervir no conflito (Além, é claro, do interesse no petróleo e nos rendimentos para o complexo militar dos EUA e para os comerciantes de armas, como acontece em todas as guerras).
Ficamos então perplexos diante da nova contradição. As forças oposicionistas, estas que os EUA defendem, são aliadas da Al Qaeda na Síria. O mais curioso é que em 2010 o presidente Obama mudou a estratégia de segurança dos Estados Unidos. Aquela proclamada por Bush que permitia a invasão sem nenhum preceito admitido pelo direito internacional, justificado pela “guerra ao terror” depois do 11 de setembro, e que culminou com o ataque ao Iraque, deu lugar, em 2010, a uma estratégia que colocava o conflito armado como último recurso. E, pasmem, definia que o principal inimigo dos Estados Unidos era a Al Qaeda. Possamos crer ou não, essa é estratégia que ainda está oficialmente em vigor.[iv]
O mais triste neste complexo cenário é que, enquanto os EUA não se importam de andar de braços dados com seu arqui-inimigo e atacar um país que nenhum risco lhe representa, sob a pena evidente de causar ainda mais mortes e sofrimento, as pessoas continuam morrendo na Síria. Continuam desesperadas atravessando as fronteiras para refugiarem-se, largando tudo que possuíam e suas próprias vidas na busca desesperada pela sobrevivência. Parecem encontrar só inimigos, seja no governo, nos oposicionistas, seja em muitas das ofertas de ajuda internacional. Quando os senhores da guerra deixarão, afinal, o mundo em paz?