Em 2006 fiquei por seis meses em Porto Alegre. Foi a minha primeira longa estadia aqui. Eu tinha 21 anos e até então só havia morado em Ijuí, no noroeste do Estado. Cheguei e fiquei encantada com o transporte coletivo. Achei a maior maravilha dos tempos. Não conseguia entender como reclamavam de ônibus que demoravam porque tinham intervalo de 20 em 20 minutos. Mas realizem comigo a situação. Durante toda a minha infância andei raríssimas vezes de ônibus em Ijuí. Nas poucas vezes em que isso aconteceu, encarei como uma grande aventura. Era motivo de festa! E não, eu não venho de uma família rica. Meu pai trabalhava – e ainda trabalha – com chapeamento (ou chapeação?! Essa dúvida ainda morrerá comigo) e então, como atuava no ramo, estava sempre trocando de carro. Embora aqueles fossem tempos de vacas magras, sempre tínhamos uma moto ou um carrinho.
Para ir à escola, no início era um revezamento de pais nas vizinhanças para nos levar. Quando crescemos um pouquinho mais, todas as crianças fazíamos juntas o trajeto de cerca de 1 quilômetro para ir e voltar da saudosa Escola São Geraldo. Mas aí, no Ensino Médio, quis seguir os passos da minha irmã e estudar em uma das maiores escolas públicas da cidade, o “Ruyzão”, como era conhecido (havia outra escola chamada Ruy Barbosa, mas como era de Ensino Fundamental, ambas diferenciavam-se pelo sufixo no “apelido”). A distância para ir à escola triplicou. A aula começava às 13h15 e lembro bem que minha avó preparava o almoço mais cedo para eu sair de casa às 11h30, a tempo de pegar a linha de ônibus Glória Cotríjuí, que às 11h50 passava a uma quadra de casa. Uma quadra de casa é ótimo, pertinho né? Pois é, a distância até a parada era boa, mas o ônibus passava só de hora em hora. Logo, eu e os colegas de bairro que pegávamos o ônibus éramos os primeiros a chegar na escola e esperávamos mais ou menos meia hora até o início das aulas.
Concluído o Ensino Médio, fui cursar Jornalismo na Unijuí. Além do principal campi (a cerca de 3km da minha casa) havia uma sede acadêmica, onde tive muitas aulas. A sede ficava a menos de 1 km de casa (900 metros, me diz o Google Maps). Dava pra ir a pé tranquilamente. Dez minutos. Mas voltar nem pensar, porque eu morava num bairro perigoso, marcado pela criminalidade e pelo tráfico de drogas. Então meu pai me buscava e havia rodízios com o pai da minha amiga e colega (desde os tempos do São Geraldo até a faculdade!), a também jornalista Maraísa. O problema era que, quando as aulas eram no Campus, para pegar ônibus era necessário ir até muito perto da sede acadêmica (1km de distância, lembra?), na Rua do Comércio. Para voltar em segurança, ligava para o pai me encontrar na parada de ônibus, também na Rua do Comércio. Até parece piada, mas tirando a linha Glória Cotrijuí (aquela que passava de hora em hora perto de casa, com a qual eu ia pra escola), quase todas as outras linhas de ônibus cruzavam a cidade pelo mesmo caminho: a Rua do Comércio. Iam e voltavam por ali. E azar de quem morasse longe dela.
Dá pra entender agora por que eu achava ótimo o ônibus que todo mundo no Centro de Porto Alegre achava demorado? Ele passava de 20 em 20 minutos, e não de hora em hora! Depois descobri que há muitas linhas de hora em hora também em Porto Alegre, mas enfim, o que importa é que os critérios para avaliação vão se modificando. Viajei, fui para mais longe que Ijuí, conheci outros lugares. Aos poucos, notei que em Porto Alegre a passagem era muito cara, que os ônibus eram superlotados, que não há sinalização nas paradas, que as linhas atrasam, não aparecem, entre inúmeros outros problemas.
Nem todo mundo pegava o Glória Cotrijuí com eu no interior do Estado. Mas a maior parte das pessoas, ou não se dava conta da quantia dos problemas do nosso transporte, ou se resignava. A grande vitória que conseguimos, primeiro em Porto Alegre e depois no restante do país, com a redução da passagem, obviamente, é extremamente significativa. Mas junto com ela vem outra: a compreensão de cidadania como direito a ter direitos e a formação de sujeitos sociais ativos, que lutam por por reconhecimento. E talvez essa vitória seja ainda mais significativa que a redução das tarifas. Só a luta conquista, aprende o povo brasileiro em todo o país. Na esperança de que a criminalidade não desmobilize este processo, relembro Evelina Dagnigno, fundamental quando se fala em cidadania: “A consciência, capacidade de ação e capacidade de luta são consideradas pelos sujeitos uma evidência de que são cidadãos, inclusive quando carecem de outros direitos”. Continuemos sendo cidadãos, porque ainda há muitos direitos a serem conquistados!
Foto: Sul Bus