Durante este tempo em que tenho estado mais atuante nas lutas e mobilizações sociais por uma cidade mais voltada aos anseios de seus cidadãos, muito eu tenho falado e ouvido sobre a mobilidade urbana, sobre a grande quantidade de carros colocados em circulação a cada dia, sobre a necessidade de compartilhar espaços nos carros, necessidade de mais ciclovias e em um centro com menos automóveis. Mas, sabemos como é difícil a prática do desapego e como facilita, eventualmente, poder contar com o carro como meio de transporte.
Antes, quando precisava me deslocar para o Centro Histórico de Porto Alegre, geralmente pegava uma carona de automóvel e retornava um pouco estressada, confesso, exausta e num ônibus cheio, pois era um horário de maior fluxo de pessoas. Ocorre que, agora, por conta das atividades profissionais que desempenho, necessito ir frequentemente ao Centro e tenho optado pelo uso de transporte coletivo, ônibus ou lotação.
É bem verdade que meus horários de deslocamento não são mais os de pico, o que ajuda muito no humor de quem usa transporte coletivo. Mas o mais interessante desta nova rotina é que, do local onde fica minha casa até a avenida, onde passa o transporte, tem um caminho com muitas árvores, bichos e vizinhos, aspectos que só que anda a pé conhece.
A primeira constatação foi de que existem moradores nas casas que ladeiam o meu caminho! Quando se passa a pé, pode-se observar com atenção seus movimentos e, muitas vezes, até um certo tipo de comunicação verbal: bom dia! Tudo bem? Até mesmo com os transeuntes pode ocorrer este fenômeno.
Comecei a desenvolver uma espécie de jogo: passar pelos desconhecidos andantes da minha pacata rua e tentar um contato visual. Muitos abaixam a cabeça e seguem olhando para o chão ao cruzamos na calçada. Mas, um bom dia e um sorriso, muitas vezes, fazem a diferença naquela manhã. E assim, já fiz uma coleção de gentilezas que me dão energia, para seguir em direção ao trabalho. Claro que no centro, não dá para continuar este jogo.
No caminho ao transporte, também descobri que tenho um admirador que, cada vez que passo em frente a sua casa, me envia um charmoso assovio: é um rico papagaio, que até o hino do Grêmio sabe entoar. Logo em seguida, tem uma gata branca e de olhos azuis, que é muito exibida e vem mostrar sua pelagem macia ao primeiro chamado. Fora os cachorros, alguns simpáticos e bonachões, enquanto outros, muito desassossegados, pregam sustos nos desavisados.
Tudo isso pra dizer que, realmente, a cidade só ganha com a redução dos carros em circulação. Além da óbvia melhora na mobilidade urbana, incrementada por um sistema de transporte coletivo eficiente e seguro, as pessoas passam a ocupar as ruas, também espaços públicos e de convivência. Agora, vejo meu bairro e minha cidade com olhos mais atentos e curiosos, prestando atenção aos detalhes dos prédios, na feição das pessoas e querendo, cada vez mais, uma cidade para seus cidadãos.