*Márcia Morales Salis, organizadora do “Arte e Artista na Orla” e do movimento de construção do Centro Cultural de Ipanema.
A partir do momento que decidimos trabalhar pela ação cultural “Arte e Artista na Orla”, fomos pesquisar os caminhos que teríamos que percorrer para a sua realização. Para mim, esse projeto é bem além daquilo que já havíamos apreendido desde a promoção do evento Mix Bazar Ipanema, há quase 10 anos, e dos estudos.
Agora, é outro grupo, outra proposta, uma nova orla e novos rumos. Nós vamos trabalhar por objetivos diferentes e não seria mais um evento comercial e, sim, cultural. Isso não significa que nós não desejamos que os artistas comercializem o fruto do seu trabalho na orla (o que é vetado por lei, embora em casos especiais possa ser autorizado pela Secretaria Municipal de Indústria e Comércio), mas porque este evento – ao qual se denomina “ação cultural” e que está sendo produzido sem patrocínios, mas somente com o empenho dos artistas e o apoio da comunidade da zona sul junto a Associação dos Moradores do Bairro Ipanema – é por outra causa: a constituição do Centro Cultural de Ipanema. Este é um projeto recente que pretende criar um espaço para que se possa realizar o que a orla irá mostrar no dia 16 de março: a exposição de obras de arte junto aos seus autores e as atividades culturais em uma espécie de reencontro com o trabalho artesanal e o belo, na arte e na natureza.
Saímos em busca dos expositores e de suas obras, divulgamos, providenciamos as inscrições, conversamos com artistas e grupos. Verificamos a viabilidade e saímos atrás das autorizações necessárias junto à esfera pública para que o evento se concretize. Surpresos, nos deparamos com algumas dificuldades de acesso a Secretaria de Cultura de Porto Alegre, mas fomos muito bem recebidos pela de Turismo que se comprometeu a nos apoiar e auxiliar no pedido de gratuidade do uso da nossa própria orla, destinado a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM).
Nessas nossas andanças, depois de praticamente atravessarmos o deserto de Porto Alegre a pé, entre risos e tropeços, nos deparamos com uma publicação criada pela Câmara Municipal, que “espera colaborar com a instrumentalização da sociedade civil, em especial daqueles que trabalham diretamente na área da Cultura, para que, por meio do conhecimento das normas vigentes e da conscientização dos cidadãos, o acesso à Cultura e seu usufruto pleno traduzam-se cada vez mais em realidade, contribuindo para o crescimento individual e social de todos os porto-alegrenses”, diz a secretaria. Nesta leitura, chamou a nossa atenção a Lei nº 4.843, de 26 de novembro de 1980, que fixa normas para exposição de artes plásticas nos logradouros públicos e dá outras providências. Uma Lei que parece sinalizar antigos limites para promoção de exposições coletivas de obras de arte em locais públicos como a nossa orla, como o que traz o artigo 4º: “Não será concedida, para cada local, quando situado em praças ou jardins, autorização a mais de um artista de cada vez”.
Foi uma surpresa que nos remeteu à época das proibições aos vários modos como nós humanos nos comunicamos uns com os outros, nos expressamos e nos organizamos. Era a fase da censura, da homogeneização, um caos do qual parece que ainda estamos nos livrando mesmo depois dos piores sacrifícios, e para onde não pretendemos retornar. Por sorte, após a Constituição Federal de 1988, a arte e a cultura se libertaram e alcançaram o seu devido reconhecimento – na lei. Agora os artistas já podem se organizar coletivamente e contribuir abertamente com o processo democrático expondo suas obras. São eles que nos chamam para fora de nós mesmos e nos fazem parar para pensar, sentir, refletir, nos emocionar e criar as nossas próprias representações da realidade ou da fantasia.