Fotografia cedida por: Dado Braz
Quase ninguém o vê, é muito difícil de ser notado durante o dia. Habitualmente, suas atividades são noturnas, passa despercebido pelos outros homens. Em determinada ocasião, só conseguimos distinguir seus largos rastros de muco e sujeira que permanecem pelo chão urbano. O homem-caracol transporta sua pequena casa nas costas, que envolve seus ossos e alma. Lá há o que é suficiente para protegê-lo do ambiente hostil que é o mundo externo, lhe abriga do frio e do calor.
Em regiões áridas não consegue vagar, sua pele é muito sensível aos resquícios de mar, e o sal pode matá-lo. Habituou-se a morar perto de lugares úmidos com sombra debaixo de grandes plantas, próximo de riachos, valas e brejos, pouco alagados, porém não pode mergulhar, pois seus pulmões se afogam se houver correnteza. Então, mantém a vida mansa, como um bom caracol pode saber. Nunca conseguiu entrar em uma casa grande, dessas amplas com escadas rolantes que poderiam ajudar a melhorar a sua velocidade, pois é barrado pelas portas automáticas detectores de vento.
Segue a vagar por sua vida inteira. Rasteja atrás de comida, embora consiga reter dias sem comer nada. Logo, quando surge uma oportunidade, principalmente quando o sol brilha no céu, as flores desabrocham e as plantas amadurecem, sobra algum vegetal em decomposição ou alguma folha verde para comer, sem ninguém incomodá-lo. Em épocas escassas, como ele não gosta de roubar a comida dos outros, mesmo desnorteado de fome, como se movimenta lentamente devido ao seu corpo frágil, basicamente composto de água, consegue algumas migalhas do que dão aos outros animais. Por conseguinte, quando está se alimentando, alguns pombos ferozes e famintos o machucam, o picam, o fazem sangrar, escoando líquido de seu corpo, apesar de que se cure facilmente de suas feridas, elas agregam suas experiências que o fazem arisco e sem lembranças de quantas vezes apanhou na vida.
Seu corpo é como gelatina, se regenera. Não consegue ver as cicatrizes que se formam abaixo de outras marcas profundas. Tateia as coisas do mundo através de sua pele sem mãos, sente o cheiro do não palpável, talvez, parte de muitos sonhos impossíveis.
O ciclo se repete por estação, foge do deserto atrás de água e sombra entre jardins, hortas e pomares. No inverno e nos períodos chuvosos protege-se em sua potente concha de calcário. Quando há excesso desses períodos fica doente porque a grama apodrece e não consegue dormir sobre o banhado e lama.
A vida passa rápido demais para o pobre homem-caracol, esporadicamente por ano quando se topa com algum de sua espécie consegue amar, porém apaixonável ao passo do caramujo sonolento, não se confunde e segue com sua concha, sozinho, onde sempre caberá apenas um. Sabe que ter alguém ao seu lado não é sinônimo de sair de sua notável solidão.
Em tempos idos, o homem-caracol é atraído por luz e vegetação branda, com a própria criação da ilusão projetada como realidade que haveria um oásis para a vida toda. Instantaneamente, se sucede a osmose e seu corpo se desfaz em água, em algum lugar sem nome que alguém se esqueceu de avisá-lo por não enxergá-lo em dia nenhum do ano, que todo aquele sal um dia foi mar.