Eu andava pela rua 7 de setembro quando ouvi, lá dentro de mim, quase como um estancar do tempo, um soar de sino. Coisa estranha, pois não havia, naquele ponto, uma igreja, um sinal de capela, cemitério ou matadouro. Continuei seguindo, ainda um pouco ressabiado, mas, novamente, ressoou: um sino com suas badaladas, sim, várias, parecia marcar, deixe-me ver, 6 horas; foi isso, foram seis badaladas. Procurei no meu pulso o relógio, não havia, não há mais relógios nos pulsos. Respirei fundo e recordei mentalmente as seis badalas e por instinto rezei a Ave Maria. O sol pairava alto, mas minha imprecisão do tempo não é de hoje. Procurei um botequim para confirmar o andar do dia. Não havia relógio na parede e ninguém ouvia o rádio, ouvia-se uma música alta, num celular exposto ao lado da garrafa de Cana da Roça, capaz de fazer circular os clientes para que dessem lugar a outros interessados no consumo.
O rumo foi seguido e aquele sinal me fortaleceu em lembranças. Lembrei-me da pequena cidade com praça central e uma igreja, o passeio por lá com as primas e a família fazendo sua história em nossas memórias futuras. Dali trouxe o quintal da casa dos avós, os passeios de charrete, e uma ou duas fotografias que mostravam como todos éramos jovens, inclusive meus avós. Há um tempo em que olhamos as imagens antigas e reconhecemos todos novos, isso é sinal de que quem vê, já vai lá pelas tantas…
A volta pra casa, com aquele ar de futuro do pretérito, foi relativamente tranquila: metrô, muitas pessoas, vendedores de tudo e muito pouco dito aos que se veem diariamente no mesmo horário. Somos todos conhecidos daquele tempo, naquele ponto da cidade, mas não nos relacionamos apenas nos reconhecemos.
Cheguei, era sexta-feira, dia de promessas de descanso. Claro que promessas nem sempre se realizam, a casa tem seu movimento próprio. Almoço no domingo, encontro familiar. Cansou, mas foi inesquecível. Ao meio- dia, chegaram os primeiros com suas gentis garrafas de vinho para oferecer ao desfrute de todos. Refeição posta, comentários sobre manifestações, greves, etc e tal e, para fechar, uma viagem pelo álbum de fotografias. Constatamos ali que nossos modernos aparelhos de fotografia se prestam a armazenar, escolher, excluir, mas só servirão, de fato, se aqueles registros virarem o álbum. Recordamos viagem, roupas, lugares, volume (mais gordo, mais magro) e os sinos voltaram a badalar dentro de mim. Sei que o tempo vai e volta, assim, como substância química capaz de fazer o bem e o mal, mas que dele, mesmo impreciso, precisamos extrair tudo o que fizemos da nossa vida.
E que essa vida valha um bom almoço com fotografias.