Volto ao tema do Urbanismo em nossa seção de Política, porque este deve ser tratado nesta editoria. Lastimo que estes debates acabem sempre em alta explosão emotiva. Porém, toda discussão séria tem ingredientes políticos. Logo, não vou fugir de um claro posicionamento político, filosófico e sociológico.
Antes de entrar no “redesenho de um bairro”, puxo uma provocação. Por que o ex-prefeito José Fogaça inventou aquele plebiscito sobre o Pontal do Estaleiro (antigo Estaleiro Só)? Sua façanha colocou dois por cento da população a decidir pelo povo. No Urbanismo, as minorias decidem que Porto Alegre perdeu o caminho da modernidade e da contemporaneidade.
Vamos ao redesenho da Cidade Baixa.
Na Zero Hora de 23.05, à p. 20, o jornalista Marcelo Gonzatto, escreve um artigo ousado – “Porto Alegre é o cemitério do Urbanismo”. “Quando uma boa ideia para melhorar uma cidade envelhece, vem morrer em Porto Alegre”, diz Marcelo, uma das frases mais felizes que já li sobre o Urbanismo local.
Outra boa provocação que ouvi foi do ex-prefeito de Bogotá, que deve deixar alguns porto-alegrenses furiosos: “Uma boa cidade não é aquela em que até os pobres andam de carro, mas aquela em que até os ricos usam transporte público. Cidades assim não são uma ilusão hippie. Elas já existem.”
Cito esta frase última para mostrar que os problemas da Cidade Baixa começam com a (i)mobilidade urbana, pois suas ruas são estreitas e não comportam tantos carros. As edificações são antigas. Eram pessoas mais humildes que começaram o Bairro. Não tinham carros. Logo, há poucas vagas na rua, sequer tem espaços sobrando para garagens e edifícios-garagens.
Não bastasse isto, todos querem “dar uma passada” por ali, para ver o movimento. Outros, vem de carro para “curtir” a boemia local. Aí já temos dois problemas, porque um – o motorista – não vai poder beber, nem vai ter local onde largar o carro. Talvez um terceiro, largar até poderá, mas e a segurança?
Vamos atacar mais uma vez com Peñalosa. “Em cidades como Bogotá, São Paulo ou Porto Alegre (o grifo é nosso) os secretários de Transporte sempre pensam em como facilitar a circulação de carros, o que não dá certo”.
Temos que senhor presidente da EPTC Vanderlei Cappellari ter uma linha de ônibus corujão especial, para fazer um itinerário interbairros, entre espaços de lazer, entretenimento e de grande concentração de atividades de gastronomia. Esta mesma linha poderia passar por Ipanema, Tristeza, Cidade Baixa, Centro, Moinhos de Vento, Rio Branco, IV Distrito. Estudar os pontos de início e fim desta linha na Zona Sul, Norte, Leste. Não resolve tudo, mas seria venturoso.
Teria conexão com o metrô, com algumas Linhas T, com Lotações ao passar pelo Centro. Outras conexões seriam possíveis. Ademais, se houvesse uma linha de micro-ônibus, tipo Lotação, entre o Praia de Belas, os Tribunais do lado de lá da Ipiranga, os do lado de cá, para o Centro, passando pelo Centro Administrativo Fernando Ferrari, Harmonia, Câmara Municipal, Perimetral, João Pessoa etc., muitos e muitos usariam este meio de locomoção, tiraria um número significativo de carros da cidade.
Existe uma sensação quase claustrofóbica com carros estacionados dos dois lados de ruas estreitas. É preciso cadastrar os guardadores que estão dentro da Lei, tirar da rua os achacadores e os praticantes de terror e ilicitudes.
Quanto aos táxis não só a Cidade Baixa é vítima do péssimo serviço e da ação selvagem de alguns condutores, que fazem barulho ensurdecedor a noite toda, azucrinando a vida das pessoas, quando não ficam traficando. Onde estão as autoridades que não veem isto? Dever-se-ia fazer um trabalho com agentes de trânsito acerca dos locais de estacionamento, uso de faixa para pedestres (que infelizmente o nosso povo não usa, nem obedece), com o uso das ciclovias etc.
Na Cidade Baixa, temos carros demais. Não estou propondo que vendam os seus, muito menos que os queimem. Podemos ter um estacionamento subterrâneo no Largo Zumbi dos Palmares. Como o custo é alto para fazê-lo, a concessão de uso deveria ser de 30 anos. As feiras continuariam, o local para eventos não desapareceria. O empreendedor teria, junto a atual edificação existente, a condição de ter uma pequena edificação para loja de conveniências e serviços, num modelo arquitetônico condizente.
O Largo Zumbi dos Palmares é mal utilizado. Por que não realizar uma Feira do Luar mensal? Por que não, eventos mais rotineiros? Impõe-se voltar a ter uma política rigorosa sobre horários de entrega, carga/descarga como fizemos em 2003/4, quando estive na titularidade da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio.
O tema “da hora” é, sem dúvida, a insegurança. Claro que não basta voltar nosso Pedro e Paulo ou o João e a Maria, fardados. Temos que ter ações de policiamento cidadão. Não é só em favelas que precisamos de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Creio que na Cidade Baixa é mais premente do que na Grande Cruzeiro.
Nunca defendi políticas de remoção, do qual os moradores da Ilhota foram vítimas. Nem sou adepto de quaisquer políticas higienistas. Mas temos que resolver o problema dos moradores de rua, dos drogados, dos sem teto, sem eira nem beira, que montam acampamentos, fazem do bairro seu campo de batalha. Onde estão os Conselhos? Onde estão as ações de Saúde e Assistência Social. Não é ético deixar as pessoas se afundarem na droga, nas doenças, pois é um dever da gestão pública e da cidadania enfrentar o tema.
Neste redesenho temos que mudar toda a iluminação pública, que deveria ser subterrânea, com lâmpadas LED, seria um investimento com dividendos em todos os sentidos.
Em Porto Alegre inventou-se uma tese que não podemos ter prédios altos. E dizem que isto é uma visão moderna. A direita e a esquerda locais tem a mesma posição. Porto Alegre está na contramão da História, como mostra o economista de Harvard, Edward Glaeser, quando diz: “Limitar alturas e construções tem um custo alto. Construir para cima é uma maneira eficaz de driblar a falta de espaço em nacos pequenos de terra. As pessoas ficam mais próximas umas das outras, mais conectadas umas às outras. Isso possibilita que as cidades fiquem mais acessíveis. E prédios mais altos e com mais capacidade são a melhor coisa para o meio ambiente.”
Esta posição exige cautela, eu bem sei. Na Cidade Baixa como no Menino Deus já foram cometidos erros por terem aceitado edificações altas demais – em locais sem circulação, sem mobilidade, nas ruas internas ao Bairro. Na João Pessoa, na Perimetral, na Ipiranga podemos, devemos e é desejável edificações bem altas, pois temos acesso, as pessoas podem tomar seu ônibus para muitos locais da cidade.
Prédios mais altos, liberam mais áreas permeáveis, mais areação e mais sol, pois como ainda temos espaços, não precisamos amontoar torres. Devemos ter estudos sobre a cultura e a história do Bairro, sendo obrigação de todos resgatar seus tesouros. Como não lembrar do Areal. Do nosso mocambo. História não se deleta, se expõe.
Há tentativas de resgate do carnaval de rua. Faltam acertos sobre horários, procedimentos, relacionamentos. Mas nada que não se resolva aberta e civilizadamente. Como é um bairro boêmio-gastronômico, faz-se os festivais de cervejas artesanais, dos vinhos e espumantes. Das várias gastronomias étnico-culturais.
Temos que ter políticas de resguardar nossas pequenas praças, arrumá-las, dar vida a estes espaços permanentemente. Temos que inibir carros, ocupar partes de ruas e espaços vazios e largados com “parklets”, lugares para sentarmos, junto a floreiras, “locus” de bem querença.
Temos à mão, já apresentamos à municipalidade, um redesenho do uso de todas as partes inferiores dos Viadutos da região. Uma atenção especial deve ser dada à Ponte de Pedra e seu entorno. Repensar o Largo dos Açorianos. Dar uma dinamicidade ao Passeio dos Antiquários, resolvendo a passagem ao Centro, via Viaduto Otávio Rocha, este totalmente detonado.
Porto Alegre é a cidade dos obstáculos, e a Cidade Baixa deve ser a campeã com postezinhos, fradinhos, placas, coisas inúteis e feias nas suas calçadas. Temos lixeiras em locais inadequados, caixas de correios (isto não tem mais uso), sujas e largadas… Deveríamos rever a localização e o número de “orelhões”. Ou seja, arrumar as calçadas, conservá-las, revendo os rebaixamentos para cadeirantes, arrumá-los, fazer as pinturas, rever as placas de trânsito, muitas em demasia, repetidas, desnecessárias.
A Smam deveria propor um Plano de Combate à Poluição, passando de local em local, sem notificar, sem multar, mas para alertar o tipo adequado/inadequado de publicidade, dando um prazo razoável para as devidas adequações. O governo municipal deveria fazer um convênio com o Corpo de Bombeiros, CREA, outras instituições correlatas, para no prazo de um ano resolver todos os casos de fornecimento de PPCI para o bairro redesenhado, resolvendo junto o rolo dos Habite-se, das Alvarás etc.
Da mesma forma, o governo municipal deveria propor um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), único, fruto do nosso Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2001 . A Prefeitura chamaria a si esta tarefa.
Sou pelo bairro em funcionamento vivo e dinâmico 24 horas por dia, o ano todo. Eu defendo o morador, o empreendedor, o visitante com esta visão.
Um novo processo civilizatório é possível e desejável. Neste EIV, iríamos – como diz o Jaime Lerner – ter que fazer várias acupunturas, não autorizando determinadas atividades em ruas estreitas demais, nem macular um conjunto de casas geminadas onde temos só moradias etc, junto com outras tomadas de decisão, num amplo movimento de pactuação, entre moradores e comerciantes.
Um redesenho para quem pensa grande, com especialistas, sem sectarismos, com um olhar da sociedade, da Câmara, das Instituições. Digo que os debates e a legislação sobre horários de funcionamento é arcaica, feita sob pressão, desagradando a gregos e troianos. O problema não está nos horários, mas na falta de civilidade. E isto se muda.
Lembro que quando pactuamos há evolução. Junto aos alvarás, haveria um Termo de Compromisso, no qual se coibiria a venda de bebidas para quem não estiver numa mesa interna ou externa, sem venda avulsa de bebidas (“para levar”), pois sabemos que ficarão na rua, bebendo, daí se perde o controle. Proibir vender bebidas em copos plásticos.
A partir disto, uma ação – como fizemos em 2003/4 – faria este bairro ser o sonho de estar nele e de visitá-lo o tempo todo. Exigiria levar o debate ao Ministério Público, ao Judiciário, até porque, houve e há momentos de relações divergentes. Não querendo com isto catar os culpados.
Os assuntos com argumentação política deveriam ser benéficos, por isso recorro ao Marcelo Gonzatto em seu “Porto Alegre é o Cemitério do Urbanismo”, quando lembra outra frase lapidar do Peñalosa: “Uma cidade ambientalmente saudável é aquela em que as pessoas são felizes”. Na lata, na cara.
