Ele sentou na minha frente e uma corrente de ar gélida percorreu minhas costas (o corpo do psicoterapeuta é uma caixa de ressonância dos sentimentos dos seus clientes que estão conectados a ele) a tristeza era visível, densa e começava a ocupar cada espaço da minha sala, reagi mostrando que tinha recebido o recado. “Você está muito triste hoje!”
Ele confirmou com um aceno de cabeça, ele estava envolvido com um amor que como um enigma, avisava: “decifra-me ou te devoro”. A relação tinha sido “linda” nas palavras dele, mas agora restava apenas encontros esporádicos que ele não conseguia decifrar, ou não queria, o significado das curtas noites de sexo que esporadicamente ocorriam. Ele não queria romper com ela, acreditava que ficando de alguma maneira perto, tudo podia mudar. Eu achava, por um instinto paternal em relação a ele, que ele estava sendo usado na loucura dela, mas guardava minha opinião.
Neste dia, uma epifania lhe tomou e começou a falar como o sentimento de orfandade lhe tomava o ser e como via o mundo… sempre via pessoas gostando umas das outras e ele sempre vendo-os distantes, frios com ele. Imaginava, ou melhor, tinha certeza que os celulares das outras pessoas tocavam para convidar para saídas e o dele só servia para ele tentar convidar alguém para sair. Se não fosse o Facebook, acreditava que não receberia nenhum “feliz aniversário”. A verdade é que ele tinha comentado que não tinha recebido nenhum presente além dos usuais “parabéns” na linha do tempo da rede social. Mas o que mais doeu era que ele tinha esperança de receber um presente, um agrado, uma lembrança daquela que ele amava, mas não, e com uma cara de choro, disse que nem os pais lhe telefonaram.
A dor da orfandade transbordava nele, uma série de questões percorriam as gerações da família, gerando legiões de órfãos emocionais, mesmo tendo pais e mães presentes de alguma forma.
Quando ele saiu, pensei que ele teria que aceitar sua orfandade para seguir em frente e não ficar esperando amor de onde não vem. Ficou claro o sintoma: tentar beber de uma fonte seca!
Mas o próximo cliente era um rapaz simpático que tinha sido adotado com seis meses de vida, acompanhei a família dele na adoção e, ao longo de seu crescimento, a família me procurou; não foi nada fácil, a infância e a adolescência nada fáceis mesmo. Mas, de alguma maneira, este rapaz que foi órfão, é menos órfão que aquele do atendimento anterior. A marca do abandono foi cicatrizada, de alguma forma, em sua pele. Claro que uma cicatriz sempre fica dolorida em dias de temporal ou mau tempo. Isso, como a nossa história, não muda. Mas do primeiro rapaz a ferida parece que cresce. E ela cresce porque se não cicatrizarmos nossas feridas e transformamos em uma pele, apenas sensível, parece que a ferida vai escarchando mais e mais, pelo contato repetitivo com pessoas que por suas dores repetirão o ato de abandoná-lo em um eterno roteiro existencial… Pais adotivos podem ser pessoas que têm o dom de cicatrizar feridas.